IX - A Loira do banheiro

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Rúbia e a Loira do banheiro
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Era final do 2º semestre daquele ano chato, 8ª série do primeiro grau, ou ginásio, ou ensino fundamental, ou o que você preferir. Rúbia havia “fechado” todas as notas em todas as matérias, não agüentava mais assistir aulas. Então, após o término do intervalo daquele dia, resolveu ficar umas duas horas escondida no banheiro, “matando” aula.
Convidou algumas colegas para fazê-la companhia, mas as “pelegas” não queriam perder a aula de matemática e disseram que iriam para a sala.
- Vamos, suas chatas! - insistiu Rúbia.
- Ah, não! Ainda não “fechei” em matemática e acho que você não deveria ficar aí sozinha no banheiro. - disse Dominique.
- Tá bom, Dominique, tá bom! - reclamou e foi sozinha, então, levando um hentai para ler.
A dona Elenice, inspetora de alunos, costumava vistoriar todos os banheiros da escola para verificar se não havia ficado ninguém fora das salas. Rúbia sabia disso, entrou em um dos banheiros, trancou a porta, subiu no vaso sanitário e ficou aguardando a inspetora entrar. Tomou cuidado para não pisar em sua saia azul de pregas e para que seus sapatos boneca pretos ficassem firmes sobre o vaso para não escorregar e causar um acidente grave. Dona Elenice não era muito rigorosa, olhava por baixo das portas dos banheiros, mas se não visse pés, ia embora.
E foi o que fez...
Ao perceber que a dona Elenice foi embora, Rúbia desceu do vaso com o mesmo cuidado que subiu. Olhou para baixo para conferir a roupa, ajeitou sua saia e os dois rabos-de-cavalo, um de cada lado da cabeça. Pegou sua revistinha de cima da tampa do vaso e abriu a porta...
Rúbia quase caiu sentada em cima do vaso com o que viu, derrubou sua revistinha dentro do cesto de lixo, o coração disparou para quase 150 batimentos por minuto, os olhos se arregalaram, as pupilas se dilataram, a garganta secou, um grito tentou sair de sua boca entreaberta, mas não teve sucesso.
Uma jovem loira de cabelos longos e despenteados com, mais ou menos, 1,70m. de altura, vestida em uma longa camisola branca, com rosto deformado e algumas cicatrizes, olhos verdes e fundos, duas bolinhas de algodão nas narinas, sorria diabolicamente para Rúbia próximo à porta do banheiro.
– Maataandoo aauulaa!!! - disse a Loira, lentamente, com uma voz mórbida.
Quando Rúbia conseguiu se recuperar do susto, avançou para cima daquela figura decrépita, jogando seu braço direito em um movimento da esquerda para a direita para empurrá-la, mas sentiu que seu braço passou direto por aquele fantasma, quase caiu para frente e sentiu um forte arrepio quando seu corpo inteiro passou pelo corpo da Loira.
Deu uma rápida olhada para trás e correu em direção à porta de saída do banheiro. Quando chegou próxima à porta, a mesma fechou com tamanha violência e fazendo um estrondo tão terrível que, se Rúbia estivesse passando por ela, teria sido partida ao meio. Rúbia ficou estática durante alguns segundos diante da porta fechada, sendo interrompida por uma mão gelada que sentiu em seu ombro e a puxou para trás, jogando-a pelo ar por uns 3 metros.
Rúbia caiu de costas no chão quase batendo a cabeça contra a parede. Ficou meio tonta e sentiu que sua saia estava molhada. Sentiu raiva por achar que pudesse ser urina daquelas meninas porcas que parecem mijar em pé. Levantou-se e, com muita raiva, avançou, novamente, para cima daquela figura nojenta e gritou:
- Você é uma lenda urbana! Você não existe!
Tentou empurrá-la, agora, com as duas mãos. Mais uma vez sem sucesso. Passou direto pelo corpo da Loira, sentindo outro arrepio e, dessa vez, caindo de joelhos no chão.
Alguém, alertado pelo barulho da porta batendo com força a pouco, estava tentando abrir a porta pelo lado de fora. Rúbia, de joelhos, quis começar a chorar, de dor, de raiva, de arrependimento, quando sentiu uma mão forte segurar um de seus rabos-de-cavalo e arrastá-la para trás, sujando toda sua roupa naquele chão imundo. Nesse momento, Rúbia agarra a mão gelada da Loira tentando fazê-la largá-la, mas sem sucesso. Então percebe que está conseguindo tocar a Loira pela primeira vez. Percebe que se a Loira a estiver segurando, ela pode tocá-la.
A Loira a levanta pelo cabelo até onde seu braço estica e diz:
- Voocêê vaaii see arreepeendeer dee maataar aauulaas!
Metade da cabeça de Rúbia começa a arder. Parece que seu couro cabeludo vai se descolar da cabeça e que ela vai cair e seu rabo-de-cavalo ficar na mão da Loira. Então, com muita raiva diz:
- Me larga, sua fedorenta, você já morreu!
Neste instante, Rúbia dá um chute bem forte no busto da Loira que faz com que ela caia para trás e largue-a. Rúbia cai no chão e sente seu cotovelo esquerdo bater no chão com força.
Sem ligar muito para a dor, Rúbia levanta, corre para a porta para ajudar quem está tentando abri-la por fora. Percebe, pelas vozes, que há mais de uma pessoa lá fora. Reconhece a voz de Dominique e grita:
- Miquêêê! Me tira daqui!!!
- Meeniinaa deesoobeediieentee, maalcriiaadaa, vooltaa aaquii! – disse a Loira andando em sua direção.
- Sai fora, sua decrépita! Vai apodrecer no inferno e para de me encher o saco! O que você quer de mim? – perguntou Rúbia, cheia de pavor!
- Queeroo quee voocêê veenhaa mee faazeer coompaanhiiaa! Meeuu muundoo éé muuiitoo geelaadoo ee triistee sooziinhaa!!!
As pessoas lá fora continuam tentando arrombar a porta. Estão assustadas com os barulhos e gritos vindos de dentro do banheiro. Dominique começa a chorar sem parar e grita:
- Deve ter alguém tentando estuprá-la! Abre isso logo, pelo amor de Deus!
Dona Elenice resolve chamar o seu Arivaldo, segurança da escola, para ver se o mesmo consegue abrir a porta.
Quando chegam, ele tenta com as mãos, sacode a porta, abaixa a maçaneta tão forte que a quebra. Resolve sacar sua arma, em uma medida desesperada, e atira na direção da fechadura. Não há mais o que poderia estar mantendo a porta fechada, mesmo assim não consegue mexê-la nenhum milímetro.
Dominique está ajoelhada no chão, aos berros gritando o nome da amiga e chorando!
Rúbia começa a andar rente à pia do banheiro, de lado, tentando esquivar-se da aproximação da Loira. Esta se aproxima cada vez mais, com as mãos estendidas em sinal de apelo, faz movimento de segurar seu rosto e consegue. Rúbia está apavorada e lembra-se de que quando a Loira a está tocando ela também pode tocá-la.
A Loira vem em sua direção, fecha os olhos, entreabre a boca num movimento de beijá-la. Rúbia cerra a boca, se apavora mais ainda, arregala os olhos, comprime seu pescoço colocando sua cabeça para trás, vira seu rosto para o lado e vê as torneiras. Segura o rosto gelado da Loira e, num movimento brusco, puxa a cabeça da Loira contra uma das torneiras.
Neste momento, o seu Arivaldo, do lado de fora do banheiro toma uma grande distância da porta e corre em direção a ela para arrombá-la com o ombro.
Dentro do banheiro, a Loira está com uma das torneiras da pia dentro de seu olho direito. Ela larga Rúbia e começa a evaporar, não como uma fumaça, mas como um pó que se torna cada vez mais leve até desaparecer por completo.
Neste momento a porta se abre sozinha e Rúbia vê, passando em sua frente como um jato, o segurança Arivaldo, sem equilíbrio, que cai naquele chão molhado, todo estatelado.
Do lado de fora do banheiro estão rostos assustados e sem compreenderem nada. Dona Elenice olha feio para Rúbia e vai ao encontro de seu Arivaldo para socorrê-lo. Dominique corre em direção à amiga para abraçá-la e conferir se está bem:
- O que aconteceu aqui dentro? Por que você está assim, toda rasgada, suja? Quem estava aqui? Era um maníaco? Um estuprador? – perguntava Dominique, chorando desesperada de ver sua melhor amiga naquele estado.
- Era a Loira do banheiro, Miquê! – disse Rúbia, com ar de cansaço.
- Para de brincar, Rúbia, fala sério!
- É sério! Eu só quero ir embora, tomar um banho, trocar de roupa, descansar...
Neste momento, dona Elenice, que já havia socorrido seu Arivaldo, veio de encontro à Rúbia dizendo:
- Muito bonito, né, mocinha? Matando aula! Vai direto para a diretoria! Vamos precisar chamar sua mãe aqui para te buscar!
Rúbia sem conseguir dar muita importância para o que estava ouvindo, falou:
- Chama minha mãe, chama! Chama quem você quiser! Só não esquece de chamar um padre para exorcizar este banheiro, pois ele está mal-assombrado!
Dominique tomou as dores e gritou com a inspetora:
- Por que a senhora não vai se ferrar, dona Elenice? Não está vendo o estado em que a Rúbia se encontra? Toda suja? Rasgada? Não percebe que ela passou maus bocados aí neste banheiro e está arrependida de ter matado aula? Deixa ela ir embora! E eu também, que não tenho mais condições de assistir aula nenhuma!
- Deixe-as irem, Elenice. - Seu Arivaldo interviu.
- Humpf... – resmungou dona Elenice, - Tudo bem, vai!

E, assim, Rúbia foi embora acompanhada de sua amiga Dominique que passou a tarde inteira em sua casa.Ajudou Rúbia a tomar banho, fez um lanchinho para as duas, fez carinho nela para que cochilasse um pouco e depois ficou ouvindo a absurda estória da loira no banheiro e, claro, acreditou.

VIII - Adeus à inocência...

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Essa estória foi extraída das páginas do diário pessoal da Rúbia.
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Rúbia perde a virgindade
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Querido Diário!

Hoje é dia 25 de maio, dia do meu aniversário de 16 anos!
Tenho uma coisa muito legal para te contar que aconteceu hoje.
Acordei cedo, minha mãe e meu pai me deram os parabéns, tomei café da manhã, fui para a escola, a Miquê me deu os parabéns, as meninas da classe também, alguns meninos aproveitaram e me abraçaram e o Dave também, tudo normal.
Na saída, o Bruno estava lá para me buscar. Ai que lindo! Ele me deu um beijo, um abraço, deu parabéns e me entregou um cartão que estava escrito assim:

Rúbia!

Sei que é noite, porque vejo as estrelas.
Sei que é dia, porque vejo suas sardas!

Bruno!

Ele não escreve muito, mas foi bonitinho, né? Aí eu falei: ‘Ai que lindo!’. E ele me disse: ‘É, eu vi num filme!’. Às vezes ele estraga um pouco as coisas, mas tudo bem. [rs]
Então ele disse que era para eu ir para a casa dele. Eu disse que minha mãe ia brigar, mas ele falou que já tinha conversado com ela e que ela havia deixado. Não acreditei, mas fui para a casa dele mesmo assim. De lá, liguei para minha mãe para avisar e ela disse que estava tudo bem, que já sabia e que ele já havia estado lá e pegado roupas para eu tomar banho e me trocar. Ai que fofo! Ele levou um vestido e um par de chinelinhos. Ainda bem, porque estava um calor.
Tomei banho e fiquei pensando: ‘Nossa! Não tem ninguém hoje aqui na casa dele! Onde será que foi todo mundo? Nossa! Como ele foi gentil hoje comigo!’. Como eu fui inocente, isso sim!
Quando saí, ele disse que tinha comida que sua mãe tinha deixado para nós almoçarmos. Era arroz de forno e carne cozida. Hummm! Estava bem gostoso!
Terminamos de comer e ele quis ir ao banheiro e depois tomar banho. Fiquei na sala assistindo televisão, pois ele pediu para eu não entrar no quarto dele. Fiquei curiosíssima, mas não fui, quase fui, sabe Diário, mas resisti, porque achei que tinha alguma surpresa para mim. Não quis estragar. Ele estava tão gostosinho!
Nossa! Mas ele demorou, viu!
Quando terminou, veio me chamar vestindo só uma bermuda preta, todo cheiroso. Tampou meus olhos com a mão e foi me guiando até o seu quarto. Quando chegou à porta, tirou a mão. Nossa! Arregalei os olhos! O quarto dele estava todo limpinho, arrumado (o que não é comum, sabe?) e, ao lado da cama, ele colocou o colchão no chão, algumas almofadas em volta e um monte de pétalas de rosas espalhadas por cima. Onde ele arranjou aquelas almofadas? E as pétalas? A luz estava apagada, mas tinha uma porção de velas decorativas acesas para clarear um pouco. Então ele disse:
- Gostou?
Eu respondi: ‘Sim, mas para quê tudo isso?’. E ele falou que era meu presente de aniversário, para a gente namorar a tarde inteira. Eu me virei para ele, abracei o pescoço dele e dei um beijo. Ai que lindo! Ai que lindo!
Ele foi me arrastando até lá e me deitou no colchão. Continuamos nos beijando. Perguntei se não ia chegar ninguém e ele disse que sua mãe tinha saído com seu irmão e que iriam demorar. Fiquei com um pouco de medo, mas... sei lá!
Aquelas almofadas, aquele perfume dele, aquelas velas foram me dando uma coisa que não sei explicar. Ai, Diário, que vergonha! Ele me acariciava por todos os lados, parecia um polvo.
Pedi para ele fechar a porta e ele riu dizendo que não ia chegar ninguém, mas eu tinha medo. Então ele foi fechar. Com isso, eu levantei e fui ver sua escrivaninha, para ver se achava alguma coisa para desviar a atenção dele. Não deu certo! Não achei nada e ele chegou em mim por trás, me agarrando e me beijando no pescoço. Fiquei mole e arrepiada! [Fiquei arrepiada de novo agora só de lembrar, ai!].
Voltamos para o colchão e o clima foi esquentando. Aqueles cheiros, eu estava ficando maluca! Pedi para ele colocar umas músicas. Ele fez uma cara de quem estava de saco cheio, mas foi procurar um CD com músicas românticas que eu adoro.
Eu estava sentada, ele voltou para o colchão e foi beijar meus pés; foi subindo pelas minhas pernas e, antes que eu pudesse impedir, entrou debaixo de meu vestido e quase me fez gritar. Eu nem sabia mais que músicas estavam tocando nem quanto tempo aquilo durou, mas, de repente, ele parou e veio me beijar na boca. Ele se deitou em cima de mim e eu senti um volume enorme dentro da bermuda dele. Eu me virei, para ficar em cima dele e fui descendo, beijando o peito dele, a barriga, puxei sua bermuda para baixo, ele estava sem cuecas e...
Nossa! ‘Ele’ estava grande demais! Eu já tinha visto ‘ele’ antes. A gente já tinha feito essas coisas, sabe? Você sabe, né, Diário, mas... acho que meu medo inconsciente do que estava por vir, estava me fazendo enxergar coisas. Comecei a brincar com ‘ele’, acariciar, beijar, lamber, chupar [Nossa! Eu escrevi isso? rs]. De repente, acho que ele deve ter ficado maluco. Puxou minha cabeça e pediu para eu parar. Ele estava com cara de quem está com tontura [rs].
Ficamos ajoelhados, um de frente para o outro, ele colocou suas mãos por baixo do meu vestido e puxou para cima até tirá-lo todo. Fiquei com vergonha e tapei o que pude com as mãos e os braços. Ele tirou sua bermuda e ficamos ali, os dois, nus. Ele me olhando e eu com vergonha, mas, confesso, estava gostando.
Ele enfiou a mão embaixo de uma almofada e tirou uma embalagem de camisinha. Que safadinho! Estava tudo armado! Ele mesmo abriu a embalagem, mas pediu para eu colocar. Eu disse que não sabia, mas ele falou que eu tinha que aprender, então fui colocar.
Então, ele me deitou no colchão bem devagar. Eu estava assustada e tremendo de frio, mesmo com o calor que estava. Ele abriu minhas pernas e foi chegando perto, muito perto, quase dentro. Eu coloquei as palmas das minhas mãos em sua barriga para tentar segurá-lo, mas não tive sucesso. A única opção foi relaxar. Isso a gente nunca havia feito. Fechei os olhos!
De repente, senti uma dorzinha e meus olhos arregalaram. Olhei para baixo e não via mais ‘ele’. Bem devagar, o Bruno começou a se mexer em vai-e-vem. Comecei a sentir uma coisa gostosa, estranha e uma vontade de gritar. Puxei sua cabeça para beijá-lo e para sufocar um grito. Aos poucos, ele foi aumentando a intensidade dos movimentos e sua boca não mais continha meus gritos. Eu cravei minhas unhas em suas costas e fui atingida por um raio no momento em que o Bruno tocou fundo em mim.
Nossa! O que foi aquilo! Fomos relaxando aos poucos, ficamos abraçados e nossos corpos começaram a tremer. Ele saiu de cima de mim e se deitou ao meu lado. Vi um sorriso bobo em seu rosto e tive vontade de rir também. Começamos a rir sem nem saber do quê. Então, quis deitar em seu peito e dormimos.
Acordamos no final da tarde. O Bruno me acordou todo assustado dizendo que tinha que me trazer para casa. Eu não estava entendendo nada, estava bêbada de sono ainda e pelada. Ele foi se trocar, colocou uma roupinha toda ajeitada e eu, também, me vesti. Quis abraçá-lo bem forte!
Viemos para minha casa abraçados.
Chegando aqui, quando eu abri a porta de casa, chamei por minha mãe, mas ninguém respondeu, fui até a cozinha procurá-la e tomei o maior susto. Ouvi um grito bem alto:
- SURPRESA!!!
Nossa, estava todo mundo aqui. Minha mãe, meu pai, a mãe, o pai e o irmão do Bruno, a Dominique, a mãe dela, que legal!
Foi muito bom, sabe? Muito divertido! Adorei a surpresa! Rimos bastante, o bolo e os doces feitos pelas nossas mães estavam muito gostosos, todos me deram presentes, mas gostei bem mais do presente que o meu namorado me deu [ou que eu dei a ele, né? rs].
Queria contar para a Miquê, mas não deu. Amanhã na escola, eu conto. Ufa! Agora vou dormir que estou morrendo de sono.

Querido Diário, boa noite!

VII - Na Itália...


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Essa história foi escrita toda em itálico por motivos óbvios.
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Rúbia na Itália
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Mondrongo tirou férias do trabalho no meio do ano e havia planejado sair em viagem com Rúbia para a Itália a fim de comemorar bodas de porcelana de seu casamento e aproveitar para conhecer suas raízes por parte de sua mãe. A terra natal da família Domiglione. Tinha esse grande desejo desde adolescente. Conhecer sua avó – ou nona - já que sua mãe sempre fez questão de familiarizá-lo com os costumes e vocabulário italianos.
Aproveitando que estava de férias, resolveu que ia conhecer toda a Itália. Preparou todo o roteiro de passeios e reservou suítes, carro, restaurantes e tudo o mais antecipadamente. Seria uma segunda lua-de-mel com Rúbia.
Danielle, a filha mais velha, ficaria cuidando das irmãs, pois já estava grande e com responsabilidade suficiente para isso, apesar de Rúbia achar o contrário.
A viagem estava marcada para o início de agosto, época de verão na Itália. A despedida foi demorada e com algumas crises de choro em frente à casa. Mas precisavam ir, pois o táxi que Mondrongo havia chamado já estava com o taxímetro ligado há cinco minutos.
- Cuidem-se direitinho, hein, meninas! – advertiu, preocupada, Rúbia.
Partiram.
Rúbia e Mondrongo nunca tinham feito uma viagem de avião tão longa. Rúbia estava ansiosa para conhecer a terra onde foi inventado o macarrão, mas decepcionou-se ao ser informada por Mondrongo que o macarrão havia sido inventado na China. Então disse:
- Vamos para a China, então!
- Rúbia! – retrucou Mondrongo – Estamos indo conhecer a terra de meus ancestrais e não onde o macarrão foi inventado!
Ela ficou um pouco emburrada, mas logo se acalmou.
Após longas horas de vôo sobre o Atlântico, chegaram ao destino. Pousaram em Roma, a Cidade Eterna, às 7 horas da manhã. Antes de qualquer coisa, Mondrongo foi retirar um carro que já havia reservado para alugar no próprio aeroporto e que ia devolver em Nápoles, uma parada antes de onde morava sua nona, a Sicília, o ponto de retorno para o Brasil.
Com as malas no carro e um guia de ruas nas mãos, os dois dirigiram-se para o hotel onde ele havia reservado uma suíte.
Ao entrar na suíte, Rúbia ficou encantada com a decoração. Quis tomar um banho. O banheiro era, simplesmente, deslumbrante. Entrou, admirou, tirou a roupa, ligou o chuveiro, começou seu banho. Em determinado momento, chamou Mondrongo e, quando ele atendeu, ela disse:
- Mô, eu nunca fiz amor na Itália!
Mondrongo olhou, deslumbrado, para o corpo de Rúbia que reluzia à luz dos raios matutinos de sol que entravam pela janela e iluminavam aquele monumento. Seus cabelos vermelhos como fogo, seus seios empinados com as auréolas avermelhadas e com algumas sardas, sua barriguinha perfeita, seus pelos pubianos ruivos cobrindo sua vulva, suas pernas muito bem torneadas, seus pezinhos pequenos como bisnaguinhas de pão o deixaram tão para cima que começou a tirar suas roupas em uma velocidade que quase as rasgou.
Entrou correndo debaixo do chuveiro e fez amor com Rúbia como um louco. Ela gritava alto e Mondrongo não pode agüentar por muito tempo, chegando rápido ao clímax e perdendo as forças, teve de sentar-se no chão. Rúbia terminou seu banho, deu-lhe um beijo de tirar o fôlego e foi vestir-se, deixando-o sozinho para recuperar-se.
Após Mondrongo ter se recuperado, desceram ao hall do hotel para tomarem café da manhã. Rúbia queria comer pizza da Itália e Mondrongo disse:
- Rúbia, sossega! Isso não é hora de comer pizza e as pizzas de São Paulo são muito melhores que as daqui, mas de noite a gente come, tá?
Rúbia fez beicinho, mas aceitou.
Saíram para conhecer Roma. Tiraram várias fotografias. Rúbia quis que Mondrongo tirasse uma dela em frente ao Coliseu. Ela posicionou-se e, como gosta muito de Heavy Metal, colocou a mão esquerda em frente ao corpo, voltada para cima e com os dedos indicador e mindinho levantados, fazendo o gesto, inventado por Ozzy Osbourne, que representa o demônio.
Muitas pessoas que passeavam pelo local davam risadas, outras passavam rápido e se afastavam. Mondrongo tirou a fotografia o mais rápido que pode para não passar mais vergonha. Após o clique, Rúbia disse a ele:
- Nossa, que povo preconceituoso! – e completou – Será que aqui não tem Heavy Metal?
- Ai, amor! – respondeu Mondrongo – é que aqui, na Itália, esse sinal que você fez, significa ‘cornuto’, ou seja, foi o mesmo que você me chamar de corno.
- Ai, desculpa, amor, eu não sabia!
- Tudo bem! Vamos andar mais um pouco.
- Isso! Por que eu ainda quero conhecer a Torre Eiffel. – disse Rúbia muito feliz.
- Aai, Rúbia! A Torre Eiffel fica em Paris, na França. – continuou Mondrongo – Aqui só tem a Torre de Pisa.
- Caramba! – respondeu Rúbia – Acho melhor eu ficar quieta, só tô dando furo.
Mondrongo deu risada e os dois continuaram seu passeio.
Chegada a hora do almoço, foram a um restaurante chamado ‘Dom Armando’. Sentaram-se a uma mesa próxima à janela. Mondrongo, em bom italiano, pediu o cardápio ao garçom e perguntou a Rúbia, em mau português:
- Que qui cê vai querê, amor?
- Pizza! – respondeu.
- Não, Rúbia, de noite a gente come pizza! – advertiu Mondrongo, e determinou – Vamos comer nhoque.
Enfezada, Rúbia disse:
- Eu quero pizza agora, se você quer outra coisa, então peça só para você!
- Isso não é hora para comer pizza. – disse Mondrongo.
- Há, há! Como se para comer pizza existisse hora determinada! – irritou-se Rúbia.
Mondrongo, com cara de cachorro molhado, disse:
- Amor! Custa você comer comigo o mesmo prato? É o nosso primeiro almoço na Itália.
Rúbia comoveu-se com o ar de romantismo de Mondrongo e aceitou comer nhoque. Para acompanhamento pediram vinho rosê.
Após o almoço, passearam mais um pouco, conheceram alguns pontos turísticos e alguns dos mais belos e importantes monumentos da história da humanidade, tiraram mais fotos e voltaram para o hotel para descansarem um pouco antes de jantar.
Por volta das 20 horas, desceram ao restaurante do hotel para jantar. Mondrongo perguntou:
- Vai querer pizza de quê, Rú?
- Pizza romana, né, amor! Nós não estamos em Roma? – respondeu Rúbia.
Pediram, comeram, riram, brigaram, riram mais um pouco e subiram para o quarto. Rúbia, empolgada, disse:
- Ai, Mô, liga a televisão que eu quero assistir a novela. O Cassiano vai pedir a Florice em casamento.
- Aqui não passa as novelas que passam no Brasil. – respondeu Mondrongo.
- Então vamos a algum lugar que passe. – suplicou Rúbia.
Mondrongo fez cara de desconsolo com a boca torta para o lado direito. Rúbia olhou para ele, demoradamente, e disse:
- Então eu quero dormir!
E dormiu de verdade não dando tempo para Mondrongo dizer que queria fazer amor com ela. Ele então resolveu ir ao banheiro para masturbar-se e assistir televisão até ficar com sono.

***


Como Mondrongo decidiu conhecer a Itália toda, não tinham muito tempo para ficar num só lugar, afinal estavam com o carro que ele alugou e não de avião. Passaram rapidamente para conhecer o Vaticano e depois seguiram em direção ao norte do país, apreciando as belas paisagens em redor das estradas.
Algumas paradas estratégicas já estavam agendadas em seu roteiro.
Foram para Florença. Uma passagem rápida, mas inesquecível, pois Florença é o berço do Renascimento italiano e de algumas das manifestações mais impressionistas da genialidade humana, conforme explicava Mondrongo para Rúbia. Ele explicou também que lá estão reunidas muitas obras-primas da arquitetura e da arte.
Foram, então, conhecer a Catedral Duomo. Mondrongo quis entrar para agradecer a Deus a oportunidade que estavam tendo de conhecer a Itália e usufruir todo aquele passeio a dois que há muito não acontecia por conta de terem filhas pequenas.
Agradeceram e partiram para a estrada novamente. Sempre que estavam no carro, Rúbia pegava na orelha de Mondrongo, enquanto ele dirigia. Ela adorava a orelha gelada dele.
Chegaram a Pisa. Foram até a Praça dos Milagres, que é o ponto turístico mais importante da cidade, para conhecerem a Torre. Então Mondrongo falou:
- Agora você poderá conhecer a Torre de Pisa.
Rúbia ficou espantada com sua beleza e disse:
- Nossa! Ela é torta mesmo!
- Claro, né, Rúbia! – criticou Mondrongo e explicou: - Ela começou a inclinar no início de sua construção, quando estava no terceiro andar. Tentaram fazer andares menores no lado mais baixo para corrigi-la, mas não adiantou, ela continuou inclinada.
- Mas por que eles não pararam, então? – questionou Rúbia, encantada com o conhecimento de seu marido sobre o assunto.
- Ah! Aí eu não sei, né? – voltou a explicar. – Ela foi projetada para abrigar o sino da catedral. Acredito que não quiseram desistir de erguê-la ou não puderam...
Rúbia olhou para cima e disse:
- Hoje ela tem oito andares, né? Podemos subir lá?
- Claro! Já agendei horário e tudo! – respondeu Mondrongo já ganhando um beijo apaixonado de Rúbia.
- Ela é torta igual uma coisa que eu conheço! – ironizou Rúbia.
Mondrongo não respondeu.
Subiram até o último andar e como duas crianças começaram a brincar que estavam caindo devido à inclinação. Riram bastante, apreciaram a vista que sua imponência proporcionava, curtiram o clima romântico e Rúbia começou a excitar-se. Apoiados sobre a grade de proteção do oitavo andar e olhando a paisagem, Rúbia começou a passar a mão na frente das calças de Mondrongo e ele disse:
- Não, Rúbia, aqui, não!
- Por quê? Tá com medo que a gente balance tanto a Torre que ela incline mais? – perguntou, ironicamente, Rúbia.
- Não é isso! É porque tem mais gente aqui!
- Nem me importo! Ele já está me querendo! – respondeu Rúbia, rindo e apontando as calças dele.
- Vamos almoçar! Vem... – ordenou Mondrongo.
E foram a um restaurante bastante típico, com aparência de cantina. Veio um garçom para entregar o cardápio e colher o pedido. Mondrongo pediu macarrão talharim com linguiça toscana, já que estavam na região Toscana da Itália, ou próximo. Rúbia resolveu seguir o pedido do esposo. Para beber, pediu um vinho tinto suave da casa. Tudo isso, graças ao bom italiano que Mondrongo falava.
Quando o garçom se afastou, Rúbia, ainda excitada, ergueu um pé e o colocou entre as pernas de Mondrongo. Ele pediu para que ela parasse com isso e colocou o pé dela para fora de sua cadeira.
Rúbia, não se dando por vencida, olhou para os lados e, aproveitando que a toalha xadrez de verde, branco e vermelho da mesa a cobria por inteiro, desceu da cadeira e entrou debaixo da mesa. Mondrongo não sabia o que estava acontecendo até sentir as mãos de Rúbia abrindo o zíper de suas calças. Começou puxar a toalha para poder enxergá-la e tentar impedi-la, o mais rápido que pode, mas não foi suficiente. Ela já estava com a boca nele.
Mondrongo ainda disse baixinho:
- Rúbia!
- Shhh! – ela fez com o dedo em riste em frente à boca e continuou. Sabia que isso ele não ia recusar.
Mondrongo estava ficando fora de si. Agarrou as duas pontas da mesa mais próximas de suas mãos e baixou a cabeça. O garçom chegou com o vinho e disse:
- Senhor, o vinho! – relutou – O senhor está bem? [traduzido do italiano]
- Sim, tudo bem! – respondeu em português.
Sem entender, o garçom perguntou em italiano:
- Sua companheira?
- Ela está aqui... – responde Mondrongo, novamente em português e, já sentindo um tapa no joelho, conserta: - Ela foi ao banheiro. [traduzido do italiano]
- Posso servir? – pergunta o garçom, novamente, em italiano.
- Sim, claro! Agradecido! [traduzido do italiano]
O garçom se afasta e Rúbia continua debaixo da mesa. Mondrongo não aguenta mais, agarra forte nos cantos da mesa, amarrotando a toalha entre seus dedos e Rúbia aguenta as consequências de seu ato.
Ela sai de baixo da mesa, olhando para os lados para que ninguém a veja, mas foi impossível. Algumas pessoas viram. Mas ela foi prevenida. Estava com um brinco na mão e o mostrou para o Mondrongo assinalando que o havia achado, colocou-o na orelha novamente.
Mondrongo, enquanto fechava o zíper de suas calças, viu que Rúbia estava com a boca cheia, e ficou com os olhos arregalados, preocupado com o que ela iria fazer agora. Ela, então, pegou a taça de vinho e a bebeu inteira para ajudar a engolir o que tinha na boca.
- Você é louca! – disse ele.
- Mas você gostou, né, safadinho!? – ironizou Rúbia, limpando a mão direita que estava lambuzada de si mesma.
Mondrongo não respondeu e deu um sorrisinho.
O almoço chegou e Rúbia disse:
- Mas eu não queria isso!
- Você pediu a mesma coisa que eu. – lembrou Mondrongo.
- Ah! Eu nem conseguia pensar de tão excitada que esse país me deixa, mas tudo bem, parece delicioso! E eu estou com uma fome de leão!
Almoçaram felizes, brincaram, riram, terminaram e foram passear mais um pouco.
Rúbia estava, cada vez mais, encantada com as belezas históricas daquele país, com o conhecimento de Mondrongo sobre várias coisas de lá, com os belos hotéis, com as pizzas típicas de cada região, que fazia questão de experimentar (quase todas as noites, Mondrongo foi obrigado a jantar pizza) e com tudo que ele havia reservado e planejado sem ela sequer desconfiar até dias antes de ele anunciar a viagem.
A próxima parada relevante foi em Milão. Mondrongo explicou que esta é a cidade mais rica da Itália e um grande centro industrial, comercial e financeiro europeu desde a Idade Média. Foram, então, conhecer o símbolo desta cidade, o Duomo, o maior exemplo de arquitetura gótica da Itália.
- Nossa! Como é lindo! – observou Rúbia de boca aberta.
- A construção dela demorou mais de 500 anos. – observou um quase intelectual Mondrongo e ganhou mais um beijo apaixonado.
Ficaram apreciando sua beleza por horas, conversaram, comeram pipoca de um tiozinho com carrinho, tiraram fotos, passearam bastante. Todos aqueles dias pareciam mágicos.
Rúbia lembrou que o São Paulo, seu time de futebol do coração, já disputou uma final do Mundial de Clubes contra o Milan, time de futebol local, e ganhou. Mondrongo concordou e ficou quieto, pois é corintiano e sabe que seu time nunca foi campeão mundial de verdade.

***


Continuando o passeio, seguiram beirando os Alpes que separam a Itália da França, Suíça e Áustria, para chegarem em seu próximo destino. Talvez o mais romântico de todos. Talvez a cidade que mais inspire sonhos. Veneza.
Rúbia quase não acreditou no que estava vendo quando chegaram. Era, simplesmente, magnífico. Tudo era lindo naquela cidade, os canais, as pontes em arco, as gôndolas.
Rúbia agarrou no pescoço de Mondrongo e começou a pular dizendo:
- A gente pode andar de gôndola? Diz que sim! Diz que sim! Por favor! Diz que você reservou uma para nós! Hein!? Hein, amor!?
- Calma, Rúbia! – disse Mondrongo rindo. [adorava quando ela fazia isso!] – Eu reservei sim! Para daqui uma hora.
- Ai, não sei se vou resistir tanto tempo. – disse Rúbia fazendo beicinho de emburrada.
- Calma, vamos aguardar nossa vez!
- Vamos ver umas venezianas, então? – ela propôs.
- Você está brincando, né? – inconformou-se Mondrongo.
- Então vamos comer pizza! – Rúbia propôs.
- Para com esse negócio de querer comer pizza, Rúbia, eu já estou enjoado!
- Mas eu não! Eu gosto muito! – ela retrucou.
- É, eu sei! – ele concordou.
- Eu sei que você sabe, mas eu gosto de falar que gosto de comer pizza!
- É, eu também sei disso!
- Eu sei que você sabe que eu gosto de falar que gosto de comer pizza, mas eu gosto de te irritar também! – brincou Rúbia.
- Ah! Disso eu sei melhor ainda! – indignou-se Mondrongo.
- Já deu uma hora? – ela perguntou.
- Claro que não! – ele respondeu, um pouco irritado.
Rúbia fez cara de que estava adorando irritar seu marido e agarrou com força nas duas orelhas dele para sentir se estavam frias.
Continuaram conversando até que chegou a vez de eles passearem de gôndola. Entraram com a ajuda do gondoleiro, sentaram-se abraçados próximo à proa, enquanto o gondoleiro posicionava-se para começar o passeio. Rúbia estava cada vez mais deslumbrada e, quando passaram em frente a uma lindíssima igreja, que Mondrongo disse ser a Chiesa della Salute, Rúbia não aguentou e deu-lhe um beijaço de desentupidor de pias.
Ainda beijando-se, Rúbia colocou a mão de Mondrongo sobre um de seus seios. Ele puxou a mão rapidamente, abriu um dos olhos, olhou para o gondoleiro e disse a Rúbia, baixinho:
- Olha o gondoleiro aí, Rúbia!
- Deixa ele olhar. – disse ela, despreocupada.
Colocou novamente uma das mãos dele sobre um de seus seios e uma de suas mãos dentro das calças dele. Começou a ficar excitada demais e direcionou a cabeça de Mondrongo para beijar seu pescoço. Deu uma olhada para o gondoleiro; ele disfarçou, fazendo de conta que estava distraído. Tirou a mão de dentro das calças de seu marido e a colocou debaixo de sua saia. Enquanto Mondrongo beijava seu pescoço e quase descia pelos seios, ela, num grande esforço, tirou sua própria calcinha e a jogou na água.
O gondoleiro, como se fosse um goleiro que vai buscar uma bola lançada, por uma cobrança de falta, no ângulo do gol, se estica todo e, com a ajuda do remo, consegue pescar a calcinha que boiava na água e trazê-la para dentro de sua gôndola.
Rúbia abre as calças de Mondrongo, puxa para fora seu conteúdo, levanta sua saia e senta-se de frente e em cima de seu marido, que olha assustado para o gondoleiro, que disfarça novamente se fazendo de distraído. Sem conseguir pensar, Mondrongo resolve se dedicar à sua esposa. O movimento dos dois começa a se tornar intenso. O gondoleiro tem dificuldades de manter equilibrada a gôndola, mas está longe de pedir que os dois parem o que estão fazendo.
Ao terminarem, Rúbia solta um grito abafado pela própria mão, olha envergonhada para o gondoleiro, senta-se novamente ao lado de seu marido e começa olhar em volta à procura de sua calcinha. Mondrongo fecha seu zíper e pergunta o que ela está procurando. Ela responde:
- Minha calcinha.
- Você jogou na água lá atrás e nem percebeu. – ele explica.
- Ai! Eu fiquei fora de mim! – Rúbia justifica. – Mas deixa pra lá.
Deu mais um beijaço em Mondrongo. Ficaram abraçados até o final do passeio, apreciando as belas construções à beira dos canais.
Ao chegarem ao local de desembarque, agradeceram timidamente ao gondoleiro e viram que ele correu em direção aos outros gondoleiros, provavelmente para contar o que fez que não viu.
Foram a um hotel próximo para descansarem, pois os próximos dias seriam de longa viagem de volta ao sul do país.
Ao acordarem, arrumaram os objetos pessoais, foram ao saguão do hotel para tomarem café da manhã e partiram para uma viagem que demoraria alguns dias, margeando os Apeninos. Fariam paradas somente para dormir ou comer, nada de visitas turísticas até chegarem em Nápoles.
Ao longo de todo o caminho, conversavam sobre as várias referências à Itália que existem no Brasil, como por exemplo, claro, as pizzas, muitas ruas e outras localidades, outros alimentos que não fossem as irritantes pizzas, algumas marcas, entre outras coisas. Rúbia, sempre curiosa, olhava todas as placas no caminho, sempre encantada com as explicações de seu esposo e sempre pegando em suas orelhas para sentir se estavam frias.
Chegaram a Nápoles, próximo do horário de almoço e estavam mortos de fome. Foram a um restaurante e Mondrongo quis comer uma macarronada de espaguete ao molho branco e beber suco de tomate. Rúbia quis pizza napolitana e suco de laranja. Almoçaram tranquilamente, mas com Mondrongo inconformado por ver mais uma pizza diante de sua esposa. Não costumavam pedir sobremesas, mas Rúbia, dessa vez, fez questão, pois, adivinhem, queria tomar um sorvete napolitano.
Passearam um pouco pela bela Nápoles e, ao final da tarde, Mondrongo foi devolver o carro alugado na agência, pois para chegarem à Sicília, terra de sua nona, precisariam embarcar em um avião.
Conversando com a atendente, contou o que estava fazendo na Itália, suas bodas, a visita à terra de seus antepassados e ficou muito surpreso quando a locadora, por intermédio desta simpática atendente ofereceu-lhe um carro para que pudesse circular pela Sicília, como presente pelas bodas, sem custo adicional, a ser retirado logo que desembarcassem e devolvido no momento do retorno ao Brasil.
Após isso, foram logo ao hotel reservado, pois ainda estavam cansados dos dias de estrada e de poucas paradas, mas, muito contentes com o presente, fizeram amor novamente antes de dormirem.

***


A curtíssima viagem até a Sicília estava prevista para o final da manhã. Mondrongo reservou este horário, pois supôs que sua nona estaria preparando um belo almoço típico da região.
Desembarcaram, retiraram o carro extra e seguiram em direção ao endereço anotado por Mondrongo quando de um telefonema para sua mãe, que o preveniu de que não aconselhava esta visita, pois acreditava que seu filho iria decepcionar-se com sua avó, mas Mondrongo fazia questão de conhecer e ver, com os próprios olhos, o que a mãe não queria contar.
A casa localizava-se em uma área não-urbana da cidade de Palermo. Conforme se aproximavam, sentiam, cada vez mais, um clima interiorano. Ao avistar uma casinha simples, de aparência um tanto quanto simples demais para o que Mondrongo havia imaginado, ele disse, apontando:
- Pelo que estou acompanhando no roteiro, é ali!
Rúbia torceu o nariz, mas não disse nada, para não causar uma discussão com um empolgado e decepcionado neto.
Pararam, desceram do carro, Mondrongo olhou com uma feição um pouco menos alegre, espreguiçaram-se e avistaram uma senhora rondando a casa.
Mondrongo resolveu aproximar-se. Rúbia preferiu ficar um pouco mais afastada. Ele chegou próximo à senhorinha e, em italiano, perguntou se era Elba Domiglione.
A velha, um pouco corcunda, com um vestido que parecia uma montanha de retalhos, com um olho fechado e um aberto, pouquíssimos dentes na boca e pernas com varizes que pareciam que explodiriam a qualquer momento, em uma agilidade sem precedentes, sacou, com sua mão direita, um revólver calibre 38, sabe-se lá Deus de onde, e perguntou, em voz rouca, alta e com tom ameaçador, em italiano:
- Quem quer saber?
Mondrongo, quase caindo no chão e assustadíssimo, respondeu, rapidamente, em italiano:
- Eu sou Bruno Domiglione, seu neto, filho de Patríccia Domiglione, sua filha que foi para o Brasil...
A velha guardou o revólver e sorrindo, deu um abraço carinhoso em seu neto que, agora, sentiu o odor que exalava do corpo de sua avozinha e quase desmaiou.
Então ele chamou Rúbia, apresentando-a como sua esposa. Rúbia aproximou-se desconfiadíssima. A Sra. Elba falou, bem de pertinho, que Rúbia era linda e deu-lhe um beijo no rosto, deixando sua bochecha babada.
Rúbia, com a desculpa de a viagem tê-la deixado enjoada, procurou um local um pouco escondido no mato e deixou todo seu café da manhã por lá.
Ainda esperançoso de que aquela fosse somente a primeira impressão, Mondrongo pediu para entrar, pois precisava usar o banheiro. A casa era imunda, com móveis apodrecendo, uns cheiros horríveis de bolor e comida estragada espalhavam-se pelo ar e teias de aranha espalhavam-se pelas paredes. A pia da cozinha estava cheia de louças sujas, as paredes e os vidros pareciam bastante engordurados. Ao entrar no banheiro, viu algumas baratas fugindo de sua presença, o vaso sanitário não tinha assento, mas não precisaria usá-lo, somente pensou em Rúbia. Mondrongo urinou, lavou as mãos em uma água um pouco turva e enxugou-as nas calças, pois não teve coragem de pegar naquela toalha encardida, com um bordado escrito ‘salute’.
Ao sair do banheiro, percebeu que sua avó estava contando algumas coisas para uma Rúbia que não estava entendendo uma palavra sequer. Então, Rúbia falou para ele que sua avó tinha somente dois dedos na mão esquerda, o polegar e o indicador e que não estava entendendo nada do que ela dizia.
Ele resolveu perguntar se a avó teria perdido os dedos trabalhando duro na lavoura ou em casa e ela respondeu, em italiano:
- Ah, filho! Isso aqui foi a máfia italiana. Seu avô foi envolvido com a Cosa Nostra durante todos os anos de sua infeliz vida e seu tio Vicenzo também, mas agora ele está desaparecido. Os mafiosos, vez ou outra, aparecem por aqui cobrando o que seu tio ficou devendo para eles. Quando tenho algo, eu dou, quando não tenho, eles levam um dedo meu. Éramos ricos, tínhamos tudo do bom e do melhor, hoje somos miseráveis. Seu tio, às vezes, manda alguém trazer um dinheiro para eu entregar aos mafiosos, porque se ele aparecer, ele morre.
Mondrongo traduziu a estória para Rúbia que fez uma cara de espanto e nojo de tudo aquilo. A avozinha resolveu, então cozinhar algo para comerem; foi até a pia, recolheu uma panela qualquer que estava no meio das outras e foi enchendo de água. Rúbia, num acesso de desespero, levantou-se e disse:
- Deixa que eu lave para a senhora!
A Sra. Elba, sem entender, entregou a panela à moça e deu de ombros olhando para seu neto, que explicou, em italiano:
- Ela vai ajudar a senhora, sente-se, vamos conversar...
E a velha começou a contar novas antigas estórias de sua família a seu neto.
Rúbia estava à pia, esfregando panelas encardidas e quase vomitando novamente, mas não suportaria a ideia de comer algo preparado em tamanha falta de higiene. Lavando louças e olhando para o quintal à sua frente pelas frestas de uma cortina de rendas encardidas que decorava uma janela de vidros engordurados, viu dois carros pretos, muito luxuosos pararem logo adiante e deles descerem sete homens de ternos finos pretos com riscas de giz brancos, gravatas vermelhas, camisas e chapéus pretos e óculos escuros e um, mais baixo que os outros, de terno branco, com riscas de giz pretos, camisa preta, gravata vermelha e chapéu branco.
Ainda lavando as louças, pensou que talvez eles fossem dançar Moonwalker ali mesmo, mas logo essa impressão foi desfeita pela imagem de um dos homens de preto levantando um cilindro longo e apontando em direção à sua janela. Arregalou os olhos, ficou branca como o terno daquele homem mais baixo, virou-se para trás e olhando assustada para seu marido que se sentava em uma cadeira, na cabeceira da mesa carcomida por cupins, localizada na parede oposta à da pia e gritou:
- Cuidado! Abaixa! – disse isso, já inclinando sua cabeça para o lado e viu, em câmera lenta, algo flamejante passando perto de seus cabelos vermelhos, por cima da mesa e voar em direção à cabeça de seu esposo, que caiu para trás com a cadeira e viu o objeto flamejante passar por cima de si e arrebentar a parede. Rúbia, vendo aquilo, lembrou-se do filme Matrix. Muitos outros filmes já se utilizaram da tecnologia daqueles efeitos, mas só lembrou deste.
Era uma granada, ou algo assim, pois explodiu do lado de fora da casa. A intenção era que explodisse dentro da casa, mas a frágil parede desta vez foi camarada. Todos já estavam deitados no chão quando rajadas de balas de metralhadoras, em um barulho ensurdecedor, começaram a arrebentar tudo o que encontravam pela frente dentro da casa, pratos, copos, armários; eram estilhaços e vidros voando por toda a cozinha.
Rúbia e Mondrongo decidiram arrastar-se a outro cômodo. Chegaram a um quarto, viram ratos correndo, fecharam a porta e ficaram encolhidos em um canto. A avozinha continuou na cozinha. O barulho das metralhadoras cessou. Mondrongo quis voltar à cozinha para salvar sua avó. Rúbia não deixou e, começando a chorar, implorou para que ele ficasse ali junto dela.
Em seguida, começou ouvir-se uma gritaria em italiano (como se isso não fosse comum!) que nem Mondrongo estava conseguindo entender. A gritaria foi diminuindo, ficando longe, ouviu-se barulhos de carros arrancando e um súbito silêncio.
Decidiram sair do quarto. Mondrongo acreditava que iria encontrar sua nona morta no chão da cozinha. Suas roupas estavam imundas por conta de terem se arrastado no chão da casa. A cozinha estava destruída e não havia corpo. Mondrongo lembrou-se de ter escutado um deles falar: ‘Hoje a senhora vai com a gente!’ e disse:
- Acho que era a máfia! Eles levaram minha nona! Temos que salvá-la!
- Temos que ir embora daqui! Isso sim! – esbravejou Rúbia! – Nós viemos aqui comemorar nossos vinte anos de casados e não bancar os heróis de filme americano!
Mondrongo teve de concordar. Foram ao carro e rumaram de volta à estradinha a caminho do aeroporto para devolver o carro e tentar antecipar suas passagens que estavam reservadas para o dia seguinte.

***


Conseguiram antecipar a viagem em um dia, não seria para agora, mas para daqui quatro horas. Estava ótimo para os dois. Não tinham fome e resolveram pagar para tomarem um banho num dos banheiros do aeroporto, trocarem de roupas e aguardarem o horário de embarque.
Doze horas de voo e chegaram ao Brasil no início da manhã. Uma hora de táxi e chegaram em casa. Ao entrarem, encontraram as meninas, todas de pijama, tomando café da manhã. Elas correram ao encontro de seus pais. Michaelle agarrou a mãe, Rafaelle, pulou no pescoço do pai, apesar de já ser bem grandinha, e as outras três abraçaram todos juntos.
Danielle perguntou se tinham conhecido a sua bisavó, como ela era, como foi a viagem e tudo o mais, e Rúbia disse:
- Ah, minha filha, nem queira saber! Nem queira saber! – e resolveu: - Vamos tomar café todos juntos, vamos!

VI - Um festival...


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Esta história é uma homenagem às grandes bandas citadas nela. É claro que muitos dos fatos citados não poderiam ter ocorrido, principalmente, pelo fato de não estarem, cronologicamente, situados na mesma época, mas... espero que se divirtam! Rock n’ Roll!!!
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Rúbia no Show de Rock
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13 de julho. Dia Mundial do Rock. Acontecia, em São Paulo, um festival organizado por um site especializado em rock, uma rádio rock e um jornal de grande circulação. O festival foi batizado de Metal Storm e era uma reunião poderosa de alguns nomes do rock em suas várias formas de expressão. Dez bandas. Três nacionais e sete internacionais reunidas no Estádio do Morumbi. E, Rúbia, como boa roqueira, ou boa metaleira, ou boa headbanger, ou como queiram denominar, tinha que estar lá presente.
Rúbia combinou de encontrar uns colegas em frente ao Shopping Butantã. Ao chegar, todos já estavam lá. O Dave – para quem a Rúbia “pagava um pau”, a Dominique – sua melhor amiga, o Alecs – um colega deles, e um tal de Hugo – que era colega do Dave, mas nem Rúbia nem Dominique nem Alecs conheciam.
- Demorou, hein! – falou Dave.
- Puxa vida! Pode me falar ‘oi’ antes? – choramingou Rúbia.
- Oi, Bia! Tudo bem? Tô brincando. – disse Dave, beijando-a no rosto e apresentando seu amigo Hugo – Esse é o Hugo, um amigo meu da faculdade.
Rúbia odiava ser chamada de Bia, mas como foi o Dave, ela aceitara. Cumprimentou o Hugo e, depois o Alecs e foi dar um forte abraço em Dominique, que a cumprimentou com um selinho e perguntou:
- Cadê o Mondrongo?
- Ele não gosta de Rock e está sem falar comigo desde que eu comprei o ingresso. – respondeu Rúbia, com cara de lamentação – Mas hoje não é dia para tristeza, depois eu resolvo isso, né não?
- Então, vamos? – perguntou Dave.
Todos assentiram. E foram andando pela avenida que os levaria até o Estádio do Morumbi. Dave era mais ou menos como um líder da turma e era isso que Rúbia admirava nele, além de seus olhos, é claro. E de seu tórax, de suas pernas e de... é... deixa pra lá.
Durante todo o percurso da avenida, foram conversando e rindo muito com as piadas e palhaçadas de Alecs. Rúbia e Dominique colocavam as fofocas em dia. Pelo caminho viam vários tipos de pessoas indo ao show. Punks, metaleiros, grunges, largados e até uns tipos que pareciam rappers. Cabelos dos mais coloridos, moicanos, tatuagens, piercings, lentes de contato, pulseiras, jaquetas, botas, couro, metal, era um verdadeiro festival.
Quando chegaram à porta do Estádio, a coisa ficou um pouco mais variada e, quando entraram, um pouco mais ainda. O público é sempre um espetáculo à parte que já vale o valor do ingresso. Comprado com carteirinha de estudante, então, melhora um pouco.
O palco era enorme, decorado com metais que pareciam estar retorcidos. Toneladas de som. Dois telões enormes nas laterais do palco. Milhares de pessoas lá dentro. Estava tocando “Back In Black” do AC/DC. Um calafrio tomou conta do corpo de Rúbia. Aquilo era um sonho lindo demais. Tinha medo de acordar.
Quando Rúbia se lembrou de que estava no Morumbi – como boa São-paulina que é – quis subir no emblema do clube que fica na lateral do Estádio e arrastou todos para lá, sem querer saber a opinião de ninguém. Achou o emblema lindo. Estava achando tudo lindo. O Estádio, a decoração, o Festival, as bandas, o público, o Dave.
Sentaram-se, todos, sobre o emblema do São Paulo Futebol Clube. Eram, mais ou menos, dez horas da manhã e a primeira banda entraria ao meio-dia, se não atrasasse. Dave e Rúbia são os que mais se interessam pelas histórias das bandas, nomes de músicas, discografia e etc. e são os que mais falam sobre isso, mas quem começou a conversa foi Dominique:
- Vocês viram o novo baixista do Metallica?
- Ele era do Suicidal Tendencies. – responde Dave.
- E do Infectious Grooves também. – acrescenta Rúbia.
- Ele não tocava com o Ozzy? – questiona Alecs.
- Ele tocou no último disco do Ozzy – esclarece Dave – Ele é bom pra caramba!
- Eu achei ele esquisito. Preferia o Jason. – manifesta-se Dominique – Era mais bonitinho.
- Dããã, Miquê! Ah não, né? – debocha Rúbia – Mas o Metallica não é mais o mesmo, realmente. Espero que voltem a serem bons como eram antes
Enquanto estavam conversando, puderam ver um rapaz correndo feito um louco, dos fundos do Estádio em direção à multidão que estava mais próxima ao palco, com dois policiais militares em sua cola. De repente, o rapaz entrou no meio da multidão e sumiu. Os dois PMs ficaram só olhando e não puderam fazer nada.
O calor era muito forte. Algumas vezes, antes de os shows começarem e durante seus intervalos, os bombeiros lançavam jatos de água para o alto, para refrescar a multidão, com enormes mangueiras. Isso já era um show à parte.
Muitas conversas e testes de som depois, é chegada a hora de a primeira banda entrar em cena. Estava somente meia hora atrasada. Um locutor da rádio que estava entre as promotoras do evento começou com aquela baboseira de ‘como vocês estão?’, etc. e anunciou a primeira banda do dia. Então ele gritou:
- Spank Bad Thing!!!

***


Era uma banda pouco conhecida ainda, com pouco tempo de formação, que havia ganhado um concurso promovido pelo site – um dos promotores do evento – e ganhado a oportunidade de abrir o Festival. Faziam um som sem rótulos, cada música tinha um estilo diferente. Alguns rotulavam como new metal, outros como crossover, enfim...
Quando eles começaram a entrar, Rúbia soltou um grito, pois era a que melhor conhecia a banda e a adorava. Conhecia alguns de seus integrantes pessoalmente. Agitou feito uma louca, pulou, gritou mais um pouco e foi curtindo. Ficaram assistindo ao show próximos ao emblema do Clube.
Rúbia conhecia todas as músicas que eles tocaram – “Seven”, “A Call To Arms”, “Seqüela”, enfim todas. Já seus colegas só reconheceram as versões que eles fizeram para “Black” do Pearl Jam, “Fade To Black” e “Seek And Destroy” do Metallica.
O show terminou um pouco rápido demais para Rúbia.
- Que banda é essa, Bia? – perguntou Dave.
- Vocês viram que louco? Que lindinhos que eles são? Viu os solos do guitarrista? Viu como o vocalista é doido? – entusiasmou-se Rúbia.
- É, vimos! São legais. O som é muito louco. Gostei! – respondeu Dave.
- São lindinhos, mesmo! – disse Dominique.
Intervalo para a entrada da próxima banda. Em todo intervalo tocavam clássicos do rock de bandas que não estavam participando do Festival. Resolveram ir procurar alguma coisa para comer. Encontraram algumas barracas lotadas nas laterais do Estádio, mas decidiram enfrentar. Dave, como sempre, tomou a frente e se prontificou a pegar para todos:
- Vamos fazer o seguinte: vocês escolhem o que querem e eu e o Hugo vamos buscar, para não ficar um tumulto de gente lá. – disse.
Rúbia achou essa atitude o máximo e disse:
- Eu vou querer uma mini-pizza e um suco de morango.
- Eu quero um misto-quente e um guaraná. – escolheu Dominique.
- Hunn! Eu acho que vou querer um lanche de filé de frango e uma soda. – decidiu-se Alecs.
Dave, então, recolheu o dinheiro de todos e disse para Rúbia:
- Bia, pode deixar que o seu, eu pago. – e completou para o Alecs – Você cuida das meninas direito, hein, ô peão.
- Pode deixar! – garantiu Alecs.
Rúbia estava meio abobada e Dominique estava olhando feio para ela, pois lembrava do Mondrongo. Gostava dele como pessoa e não queria que Rúbia fizesse algo que pudesse magoá-lo.
Dave e Hugo voltaram com os comes e bebes. Resolveram sentar-se para comer até o próximo show começar. Viam, vez ou outra, alguns grupos disputando quem fazia a torre humana mais alta. O pessoal subia uns nos ombros dos outros até que não agüentavam mais e caíam. Rúbia e Dominique achavam tudo isso muito divertido.
Eles ainda estavam comendo quando veio o locutor da rádio novamente jogar alguns brindes para a galera, interromper “Smells Like Teen Spirit” do Nirvana, e anunciar a próxima banda. Perguntou se todos estavam preparados para o ‘forrócore’ e anunciou:
- Raimundos!!!
Os Raimundos ainda estavam com Rodolfo nos vocais e já subiram ao palco quebrando tudo com “Tora Tora”. Tocaram músicas de toda a carreira, desde “Puteiro Em João Pessoa” até “20 E Poucos Anos” do Fábio Jr. Mas o grande momento foi quando convidaram o Marky Ramone (baterista dos Ramones) para subir ao palco e tocar com eles “Pequena Raimunda”. Tanto a galera quanto os Raimundos foram ao delírio.
Mais um intervalo. Rúbia queria ir ao banheiro, pois ficou cheia com o suco. Chamou Dominique para ir com ela. Havia cabines nos fundos e nas laterais do Estádio. Foram até os fundos para andar um pouco e ver alguns meninos bonitos. Então Dominique falou para Rúbia:
- Você tá dando mó brecha pro Dave, né, senhorita?
- Eeeu! Qué isso, Miquê! – espantou-se Rúbia!
- Tá pensando que eu não tô vendo, é? – indignou-se Dominique.
- Ah! Não rola nada! Mas que ele é um gato, é, né? – Rúbia responde.
- É bom que não role nada, dona Rúbia, porque o Mondrongo iria ficar muito chateado –Dominique recrimina – e pra piorar o Dave te chama de Bia e você nem liga.
- Primeiro, o Mondrongo não tem que saber de nada! – irrita-se Rúbia – Segundo, eu não gosto que ele me chame assim, mas vou falar para ele? Fica chato, né?
- Sei, sei! – suspira Dominique – Vamos ao banheiro, vai!
Dominique entra em uma cabine e Rúbia em outra. Rúbia olha aquilo desesperada. Sabe que vai ter que fazer malabarismo para fazer xixi. Ela pega um pedaço de papel higiênico em sua bolsa, abaixa as calças, sobe no vaso e fica de cócoras. Apóia suas mãos nas laterais da cabine. Neste momento, sente que encostou sua mão esquerda em algo úmido e macio, mas prefere não olhar até terminar seu xixi, pois está muito apertada. Ao terminar, olha para seu lado esquerdo para confirmar sobre o que havia colocado sua mão, percebe se tratar de um absorvente usado e colado na parede da cabine com o sangue voltado para fora e grita:
- Aaaai, que nojo!!! Filha da puta!!!
Sua mão estava encharcada e um filete de sangue escorreu até seu cotovelo. Dominique que estava na cabine ao lado pergunta o que estava acontecendo. Rúbia pede para ela esperar que vai precisar de ajuda. Não sabe se limpa as mãos ou lá embaixo com o pedaço de papel. Resolve se limpar primeiro lá embaixo. Depois passa um pouco de papel, que estava úmido com urina, do cotovelo até a sua mão, só para o sangue não escorrer mais. Sobe suas calças com a maior dificuldade, pois está somente com uma mão. Enfim, sai da cabine.
Dominique vê sua mão e pergunta se Rúbia havia se machucado. Rúbia conta o que aconteceu e Dominique precisa voltar à cabine para vomitar. Rúbia olha para o céu com cara de desânimo e suspira. Quando Dominique volta, Rúbia diz:
- Anda logo, por favor! Pega uma garrafinha de água que está na minha mochila para eu lavar isso.
Dominique assim o faz e Rúbia pega um pouco de sabonete líquido que tem em uma torneirinha dentro da cabine. Pede para Dominique jogar um pouco de água em seu braço, esfrega com o sabonete e depois, pede para que jogue o resto da água. Pronto, está limpa.
Resolveram voltar para perto dos meninos, pois Rúbia sabia em qual ordem as bandas tocariam e, tinha medo dos punks agitando com a próxima. Enquanto isso, tocava “Polícia” dos Titãs.
Realmente, não se sabe de onde surgiram tantos punks juntos naquele momento em que o locutor volta ao palco para anunciar a próxima atração. De qualquer forma, sabendo ou não se os punks surgem de algum porão, a banda é anunciada em alto e bom som:
- Ramones!!!

***


Joey Ramone ainda estava vivo. Foi um festival de “one, two, three, four” e uma música atrás da outra. Metade do estádio havia sido dominada por punks, mas os mesmos não tinham aparência hostil ou agressiva. O show transcorreu com bastante calma. Toda a galera foi ao delírio quando os Ramones tocaram “Blitzkrieg Bop” e “Pinhead”, pois puderam gritar com toda energia: ‘Hey, ho! Let´s go! Hey, ho! Let´s go!’ e ‘Gabba Gabba Hey!’. Mas o grande momento mesmo foi quando tocaram “Pet Semetary”.
Chegou a hora de o show terminar. Mais um intervalo. Os punks começaram a dispersar. Suados. Alguns carecas começaram a tomar conta do local. Rúbia tinha mais medo ainda deles. Percebeu que estava tocando “Stairway To Heaven” do Led Zeppelin. Olhou para a entrada do Estádio e viu que ainda tinha gente entrando e alguns já saindo. Não se conformava se caberiam todas essas pessoas lá dentro e se perguntava porque tinha pessoas que pagavam pelo ingresso e iam embora antes de o show terminar.
Agora, as torres humanas utilizavam as placas de madeira que cobriam o gramado. Uns seguravam e outros subiam e ficavam pulando em cima. Mas a segurança local deu um basta rapidinho e Rúbia achou legal:
- Essas placas servem para proteger o gramado e esses babacas pegam e pisam no gramado do meu Tricolor!
- Larga de ser implicante, Bia. – disse Dave.
Rúbia mostrou a língua e Dave completou:
- Olha que eu pego ela, hein!
Dominique estava rindo feito uma louca com as gracinhas do Alecs. Hugo não falava quase nada. Rúbia e Dave conversavam sobre outras bandas. Então, eis que surge, novamente, o locutor da rádio. Perguntou se a galera estava preparada para mais peso e anunciou a próxima banda:
- Pantera!!!
Agora foi a vez dos carecas tomarem conta do pedaço. Agitavam muito. Rúbia a sua turma tiveram que ir um pouco mais para trás, pois, senão, seriam atingidos pela agitação do pessoal. Músicas como “Mouth For War” e “Cowboys From Hell” fizeram algumas rodas de brigas se formarem. Foi o show mais violento do dia.
Mas, no palco, a coisa foi muito diferente. Phil Anselmo, o vocalista, pedia paz e que o pessoal se divertisse, mas mais da metade não entendia, pois o vocalista falava em inglês. Ameaçou terminar o show se a galera não parasse de arrumar confusão, mas percebeu que ninguém entendia e resolveu continuar até o fim. Ainda bem!
Mais um intervalo. Já era início de noite. O tempo começou a esfriar. As luzes do Estádio começaram a acender. Entre os clássicos do rock que tocavam nos intervalos, estava “Smoke On The Water” do Deep Purple.
Resolveram passear um pouco pelo Estádio e sentaram-se do lado oposto a onde estavam sentados antes. Sem perceber, sentaram-se perto de uma rodinha de jovens que começaram a acender cigarros. Pelo cheiro, Dave percebeu que era maconha e comentou com todos. Rúbia perguntou:
- Ah! Então esse é o cheiro de maconha?
- Horrível, né? – disse Alecs.
- Ah! Até que não achei ruim, não! – discordou Rúbia e ficou fungando o cheiro.
Dominique disse:
- Pára com isso, sua xarope!
Rúbia começou a rir desesperadamente. Não achava graça de nada, mas não conseguia parar de rir. Então, Dave disse:
- Ih! Tá bem lôca!
De repente, Rúbia pára de rir e faz cara de assustada, com a boca aberta. Estava vendo um carinha negro de gorro e tanga vermelhos, com um cachimbo na boca e uma perna só. Quis dizer que estava vendo o Saci-Pererê, mas achou ser efeito da maconha e somente deu mais risada.
As luzes do Estádio se apagaram. A música parou de tocar. Os telões foram ligados. Rúbia só parou de rir quando o locutor subiu ao palco mais uma vez e anunciou a primeira atração a tocar à noite:
- System Of A Down!!!
Ao primeiro acorde de “Prison Song”, houve um flash de canhões de luz do palco e a galera foi à loucura. Rúbia ainda estava tonta, mas também gritou. Era a hora do New Metal! “Chop Suey!” quase fez o Estádio virar do avesso. Mas Dominique e Rúbia gostaram mesmo de “Aerials”. Dave, Hugo e Alecs não se conformavam com a velocidade com que Serj Tankian cantava.
Os telões estavam com imagem muito boa, mas o show chegou ao fim. Outro intervalo. As luzes começaram a acender. Música mecânica novamente. Dessa vez tocou “Enter Sandman” do Metallica, entre outras.
Procuraram outro lugar para sentarem, longe dos maconheiros antes que a Rúbia começasse a dar trabalho. Dave e Hugo foram comprar cervejas e perguntou se mais alguém queria.
- Você vai querer, Dominique? – perguntou Alecs.
- Não, não! Obrigada! – respondeu.
- Eu também não quero, então. – disse Alecs para Dave.
- Ai que lindinho! – ironizou Dave e perguntou a Rúbia – E você, Bia, vai querer uma?
- Não, obrigada! Eu não bebo!
- Ah! Não acredito! Roqueira que não bebe? – ironizou, mais uma vez, Dave.
Rúbia odiava essa história de que Rock tem ligação direta com álcool, drogas, cigarro, sexo, satanismo, tatuagens, piercings, etc. e disse, brava:
- Não bebo, não fumo e não uso drogas! Por quê? Tem algum problema nisso?
- Ih! Podia dormir sem essa, maluco! – disse Hugo puxando Dave – Vamos nessa antes que comece o outro show.
Ao voltarem, as luzes começaram a apagar e o locutor voltou perguntando se estavam cansados e tal, e anunciou a próxima banda:
- Faith No More!!!

***


O show já começou arrebentando as portas com “Digging The Grave”. Depois de umas três músicas, Mike Patton disse ‘Boa noite, São Paulo!’ e cantou “Evidence” em português. Na seqüência, tocaram “Edge Of The World”, “Easy” e “I Started A Joke”; o que foi um prato cheio para o romantismo, fazendo com que Alecs parasse com as palhaçadas e roubasse vários beijos de Dominique. Terminaram o show com “Epic”.
Mas tudo que é bom, dura pouco. O show acabou, as luzes do Estádio começaram a acender, mais clássicos nos alto-falantes – entre eles “Blind” do Korn. A turma de Rúbia resolveu dar mais uma passeada pelo local. encontraram uma barraca que vendia e colocava piercings e tinha mostruários de tatuagens. Havia cabines para colocar piercings e fazer tatuagens. Então, Dominique – de mãos dadas com Alecs – disse:
- Aí, Rúbia! Coloca um piercing!
- Você tá louca? – respondeu Rúbia – O Mondrongo já não está falando comigo. Se eu colocar um piercing ou fizer uma tatuagem, ele termina o namoro.
- Como coisa que você está muito preocupada com isso, né, queridinha? – retrucou Dominique.
- Qual é, hein, Miquê? – reclama Rúbia, já partindo em direção a Dominique.
- Ei, ei, ei, vamos parar com isso, as duas donzelas!? – aparta Dave.
Rúbia se acalma ao sentir Dave a segurando pelo ombro, e diz:
- Não vou deixar nada estragar esse dia maravilhoso, tá, Dominique?
Dominique se cala. Eles continuam andando, Dave pega a mão de Rúbia para andar, mas Rúbia puxa a mão de volta.
Os mais largados e alternativos começam a dispersar. As proximidades do palco começam a ser tomada por uma multidão de pessoas vestidas de preto dos pés à cabeça. Percebe-se que está chegando a vez do Metal.
O locutor da rádio, que já virou locutor do evento, volta ao palco para atirar mais alguns brindes. Agora são CDs das bandas participantes. E, em alto e em bom tom, anuncia que agora vai começar a porradaria e chama a próxima banda:
- Sepultura!!!
Max Cavalera ainda estava à frente da banda e já entrou gritando: ‘São Paulo! Vâmo detoná essa porra!!!’. Começou a pancadaria. Em certo momento, Max chamou ao palco uns amigos, como ele mesmo denominou – Mike Patton, do Faith No More; Jason Newsted, ex-Metallica; e o dj do Pavilhão Nove –, para tocarem “Lookaway”.
Dominique deu um berro:
- Aaaaaah! Rúbia! É o Jason!!!
- Tô vendo, sua louca! – respondeu, rindo, Rúbia.
Após essa música, Jason Newsted ficou até o final do show tocando com o Sepultura que, na seqüência soltou “Roots Bloody Roots”. Alguns malucos acenderam uma fogueira nos fundos do Estádio; não dava para saber o que eles queimavam, mas havia uma fumaça preta e consistente subindo e subindo. Foi tudo muito louco, mas mais um show chegou ao fim.
Dominique disse que estava com fome e todos perceberam que também estavam. Foram procurar barracas de lanches do lado oposto ao de onde tinham comido à tarde. Dave repetiu o ritual pegando o dinheiro e pedido de todos, chamando Hugo para ir com ele e informando Rúbia que pagaria o que ela quisesse.
- Eu quero um hambúrguer e uma soda. – adiantou-se Dominique.
- Eu vou querer um bauru e um suco de maçã. – resolveu Alecs.
Rúbia, então decidiu abusar:
- Eu quero um pastel de queijo, um espetinho de camarão e um suco de abacaxi.
- Caramba! Você vai comer tudo isso? – perguntou Dave, e completou – Como é que eu vou trazer isso? Vamos com a gente, Alecs!
- E quem vai cuidar delas? – perguntou Alecs.
- Sabe o que você pode fazer? – solucionou Rúbia – Traz o nosso antes e depois volta para comprar o seu.
- Rá! Rá! Rá! Gracinha! – sacaneou Dave.
- Vai logo antes que o próximo show comece. – definiu Rúbia – Aproveita que os metaleiros estão todos concentrados e não vão comer agora.
Dave fez cara de insatisfeito, mas concordou e foi comprar. Neste momento, estava tocando “Painkiller” do Judas Priest. Algum tempo depois, Dave volta com os lanches do Alecs e das meninas e retorna à barraca para comprar seu lanche e o do Hugo. Rúbia dividiu seu espetinho com Dominique. Hugo e Dave ainda não haviam terminado seus lanches quando as luzes começaram a apagar e o som foi cortado para que o locutor voltasse para fazer anúncio de mais porrada para a noite:
- Slayer!!!
O show começa com um som de disco (LP) girando ao contrário para dar início à música “Hell Awaits”. Segue-se uma fúria incontrolável. Dave Lombardo ainda está no comando das baquetas. Rúbia e Dominique riem muito de um carinha agitando com uma cabeleira crespa enorme e dura que não mexia. O show transcorreu em ritmo acelerado. O Estádio quase veio abaixo com músicas como “Angel Of Death” e “Seasons In The Abyss”.
Ao final do show, resolveram sentar para conversarem. Comentaram sobre como tudo foi muito bem organizado, sem nenhum atraso até agora, exceto no primeiro show. Todos os intervalos duraram trinta minutos. As trocas de palco foram rápidas. As bandas foram divididas, mais ou menos, por estilo musical. Os telões estavam com boa imagem. No momento em que comentavam sobre isso, começou a tocar “Sole Survivor” do Helloween.
Conversa vai, conversa vem, então passa um grupo de seis jovens, entre rapazes e garotas, que Hugo reconhece. Pede para os outros esperarem um pouco, levanta-se e vai conversar com eles. Rúbia e os outros ficaram sentados e começaram a conversar sobre seus cursos na faculdade que todos começaram esse ano. Cada um estudava em uma faculdade diferente. Rúbia cursava Publicidade; Dave e Hugo, Direito; Dominique, Letras; e Alecs, Engenharia Civil.
Após algum tempo, Hugo volta e diz ao Dave:
- Ô Dave! Eu vou agitar mais lá no meio da galera com uns camaradas meus que eu encontrei aqui e depois eu encontro vocês por aqui mesmo, perto da torre central de som, beleza?
- Tudo bem, mas vê se não apronta e se cuida. E volta logo que acabar o próximo show. Falou? – respondeu Dave.
Hugo assente com a cabeça e faz sinal positivo com o polegar. Rúbia diz não gostar da idéia. Diz que depois se ele se perder vai ser um ‘Deus-nos-acuda’. Dave diz para ela relaxar, mas Dominique e Alecs concordam com Rúbia; só que agora, o que se há de fazer? Ele já havia ido.
As luzes começam a apagar, a música pára, o locutor volta, joga algumas camisetas e encordoamentos de guitarra para a galera e, mais uma vez, anuncia uma das duas grandes bandas que iriam encerrar o Festival. É meia-noite e meia e ele grita:
-Iron Maiden!!!

***


Sobe ao palco a ‘Donzela de Ferro’, com três guitarras e Bruce Dickinson nos vocais. Faz um show mais longo que as bandas anteriores. O show é recheado de efeitos pirotécnicos, explosões e luzes. Bruce Dickinson é muito comunicativo e empolga a galera o tempo todo. Tocam músicas de toda a carreira. Os pontos mais altos são com “The Number Of The Beast”, “Aces High”, “The Trooper” e “Fear Of The Dark”. As três guitarras, ao vivo, produzem uma massa sonora de arrepiar. Rúbia e Dominique curtem, feito loucas, principalmente, quando tocam “Wasting Love”. No momento em que toca “Iron Maiden”, aparece uma Eddie gigante e fica tentando pegar os integrantes da banda e o guitarrista Janick Gers fica lutando contra ela.
Após duas horas que pareceram um minuto, o show termina. Ninguém parece cansado e ainda pede mais, mas o bis também já havia acabado. Rúbia comenta que nunca esquecerá o Bruce Dickinson gritando: ‘Scream for me São Paulo!’.
Dominique diz que está querendo ir ao banheiro e pede para que Alecs vá com ela. Dave e Rúbia resolvem ficar em frente à torre de controle de som que é cercada por grades.
Rúbia diz estar com frio. Dave tira sua jaqueta de couro do Kiss e a coloca sobre as costas dela. Ele senta-se, encostando as costas na grade que envolve a torre, abre as pernas e oferece que Rúbia sente-se em frente a ele. Ela aceita e se senta de costas para ele. Ele puxa a jaqueta para frente do corpo dela e a abraça. A jaqueta é grande e cobre Rúbia, que é pequena, do pescoço até o meio de suas coxas. Dave começa a beijar o pescoço de Rúbia.
Dominique, ao sair do banheiro, sugere que ela e Alecs poderiam tomar alguma coisa. Ele topa e vão até a barraca de bebidas. Dominique sugere um vinho e ele compra um copo para os dois. Alecs, como sempre faz gracinhas que quase fazem Dominique ter que voltar ao banheiro. Quando terminam de beber, ele procura um lixo para jogar o copo vazio e a surpreende com um beijo de cinema. Ela gosta e continua a beijá-lo. Ficam ali por um bom tempo.
Por baixo da jaqueta, Dave começa a passar a mão direita pela barriga de Rúbia. Ela fecha os olhos e deita a cabeça de lado. Ele começa a beijar sua orelha esquerda, procura o botão da calça cargo dela e, vagarosamente, o abre e abre, também, o zíper. Ela vira mais a cabeça e Dave começa a beijá-la na boca, enquanto sua mão já passeia por cima de sua calcinha.
Alecs e Dominique param de se beijar e se entreolham com um pouco de vergonha, por não se conhecerem muito bem. Mas está tudo bem. Alecs acha Dominique linda. Ele adora loiras. Dominique acha Alecs muito divertido e criativo. Ela adora rir. Resolvem voltar ao local onde estão Rúbia e Dave, pois o próximo show iria começar logo.
Dave começa a colocar a mão por dentro da calcinha de Rúbia. Ela arregala os olhos e trava a língua, mas vê que Dave está de olhos fechados e resolve relaxar e continuar beijando-o, então agarra as coxas dele. Ele a acaricia com bastante cuidado e habilidade, deixando-a maluca. Neste momento, Dominique e Alecs chegam, mas os dois nem percebem. Dominique vê aquilo, faz cara de brava, apesar de nem imaginar o que está acontecendo por baixo da jaqueta do Kiss de Dave, e vai em direção aos dois para separá-los, mas Alecs a detém e começa a beijá-la.
Neste momento, está tocando “Black Metal” do Venom, mas nem Dave, nem Rúbia, nem Dominique, nem Alecs escutam. As luzes começam a apagar, o locutor volta para anunciar a última grande atração da noite, mas nenhum deles escuta.
Dave sente que Rúbia está com o corpo tremendo um pouco. Ela crava suas unhas nas coxas dele, morde sua língua e franze a testa. Ela não agüenta mais.
Então, o locutor anuncia:
- Black Sabbath!!!
A multidão toda começa a gritar em louvor aos deuses do Metal. Rúbia aproveita para gritar de tesão e puxar a mão de Dave de dentro de sua calça. Ela fecha suas calças com as mãos ainda bobas e levanta-se rapidamente, mas perde um pouco o equilíbrio; devolve a jaqueta para Dave, pois está morrendo de calor.
Os quatro Cavaleiros do Apocalipse – Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward – sobem ao palco. Parece um sonho! Formação original! O clima sombrio promete que será uma noite inesquecível. A voz de Ozzy anuncia que o mal está presente.
Começaram com “War Pigs”, tocaram “Sabbath Bloody Sabbath”, “The Wizard”, “Iron Man”, “N.I.B.” e todos os outros clássicos. Durante a música “Black Sabbath”, todas as luzes ficaram, completamente, apagadas, dando um clima de terror. Tocaram ainda “Snowblind”, “Sweet Leaf”, “Eletric Funeral”. Foi um festival à parte.
Quando voltaram para o bis, encerraram o show com “Symptom Of The Universe”, “Children Of The Grave” e “Paranoid”.
Rúbia está estática, sem fala, achou tudo muito louco, sentia arrepios no corpo todo, sentia vontade de chorar de emoção. Disse que nunca esquecerá o Ozzy dizendo: ‘Let me see your fucking hands!’. As luzes se acendem, muita gente suada começa a ir embora. Eles também resolvem ir, mas... Rúbia pergunta:
- Onde está o seu colega, Dave?

***


- Ai meu Deus! O Hugo! Ele disse que ia voltar depois do show do Iron. – lembra Dave, com cara de desanimado.
- Pronto! Era só o que faltava! Agora nós quatro vamos ter que ficar chamando o Hugo! – Alecs faz uma de suas gracinhas.
Dominique ri igual uma boba e, quando se recompõe, diz:
- Ah! Larga ele aí! Ele não voltou porque não quis! Ele já é maior de idade, responsável e deve saber ir embora sozinho.
- Não é assim não, Dominique! – adverte Alecs – Nós precisamos encontrá-lo.
Rúbia concorda, mas diz:
- Tudo bem! Concordo, mas o que você sugere que nós façamos aqui no meio de, sei lá, cem mil pessoas?
- A gente poderia enfiar o dedo na garganta para ver se o Hugo chega. – responde Alecs.
Dominique senta no chão de tanto rir e diz que vai fazer xixi na calça. Rúbia também ri muito, mas diz que é sério. Dave, então toma a decisão:
- Eu vou procurá-lo e vocês me esperam aqui.
Rúbia fala:
- Ah, não! Mais um desaparecido, não! Vamos todos juntos, então!
Os outros concordam. Partem pelo Estádio, sem destino, enfrentando o trânsito contrário ao pessoal que busca a saída. Após uns quinze minutos andando, avistam em um canto próximo ao palco, do lado esquerdo do Estádio, um corpo de um rapaz deitado.
Ao chegarem mais perto, percebem que o rapaz está somente de cuecas, deitado sobre uma porção de sacos brancos e cheios. Caminham devagar, pois não querem acreditar que possa se tratar de Hugo. Mas Dave acelera o passo e percebe que se trata de seu amigo deitado sobre sacos de gelo.
Dave o chama, mas Hugo não responde. Dá tapinhas em seu rosto e nada. Olha em volta para ver se encontra suas roupas. Dominique começa a chorar no ombro de Alecs. Rúbia chega mais perto para verificar seu pulso e informa que está vivo.
- Me ajuda a levantá-lo, Alecs. – pede Dave.
Alecs prontamente atende. Rúbia vai ao encontro de Dominique para acolhê-la e quando o colocam sentado, Rúbia vê em suas costas dois cortes, na altura dos cotovelos. Cortes limpos, secos e com precisão cirúrgica.
- Ai, deita ele de novo! Ele está com dois cortes nas costas. – avisa Rúbia.
Alecs e Dave obedecem e resolvem procurar o posto médico. As meninas ficam vigiando para que ninguém mexa com ele ou para o caso de ele acordar. Logo os meninos voltam com dois médicos carregando uma maca e um estojo de primeiros socorros.
Os médicos examinam, verificam pressão, batimentos cardíacos e os cortes. Pergunta se são amigos dele e informa que os rins do garoto foram roubados e que ele deve ser hospitalizado imediatamente.
Dave pergunta como isso acontece e o médico explica:
- Existem quadrilhas que roubam rins para vender, no mercado negro, ao exterior ou para pessoas que estejam precisando de transplantes. Eles embebedam a pessoa ou colocam sedativos em suas bebidas. Com a pessoa adormecida, retiram seus rins por esses cortes em suas costas e a deixa deitada sobre o gelo para que o ferimento cicatrize, até que alguém as encontre. Mas, agora, temos que levá-lo. Por favor, avisem a família dele.
Dave assentiu. Resolveram ir embora, muito abalados ainda. Rúbia tentou confortar Dave, mas o mesmo queria chorar, pois sabia que não devia ter deixado Hugo sair de perto da turma para sair com aqueles caras, ladrões de rins.
Ao saírem do Estádio, foram caminhando até a Avenida Francisco Morato para pegarem os ônibus para suas casas. Já eram mais de seis horas da manhã. Despediram-se. Dave e Rúbia com um beijo no rosto. Alecs e Dominique com um longo beijo na boca. Dave e Alecs pegaram o mesmo ônibus, Dave ainda tinha que pegar outro na Estação da Luz, já Alecs pegaria o trem. Rúbia foi dormir na casa de Dominique, pois iria passar o domingo lá, levando bronca por ter ficado com o Dave e conversando sobre muitas outras coisas.
Hugo acordou no hospital e ficou internado durante seis meses até conseguir a doação de rins novos. Durante esses seis meses, ele ficou ligado a aparelhos que filtravam seu sangue o tempo todo.

V - A Mãe Mundinha...


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Rúbia e a Mãe Mundinha
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Desde o suicídio de Mondrongo há cerca de seis meses, Rúbia encontrava-se em um estado de depressão muito forte, atormentada por um sentimento de culpa e um remorso terrível. Vivia chorando e não se alimentava direito. Mas nem de longe pensava em procurar ajuda médica, psiquiátrica ou psicológica, pois não suportava psicólogos e afins.

Rafaelle, a filha médica, não falava com a mãe desde o ocorrido. Culpava a mesma argumentando que ela nunca soubera compreender seu pai. Era a mais apegada a Mondrongo. Quase entrou em choque com a mãe no dia do enterro.
Danielle, a empresária casada com italiano, não tomou posição nenhuma. Já há muito tempo não tinha contato nem com o pai nem com a mãe por morar na Itália. Não sabia o que sentir diante do pai morto. Estava bem-sucedida e isso era importante para ela.
Emanuelle procurava evitar falar com a mãe, pois se sentia mais culpada que a própria. Achava que seu pai havia se matado pelo desgosto de a filha ter se tornado uma atriz pornô. Andava muito triste.
Michaelle, que ainda mora com a mãe, era a única que a apoiava incondicionalmente. Ama demais sua mãe e achava que o pai era um pouco sem-vergonha. Não que ela achasse certo ou bom o que ocorreu, mas era a favor da vida e não suportava ver a mãe naquele estado.
Chandelle, que também mora com a mãe, não havia entendido ainda o que aconteceu. Sua cabeça estava confusa demais. Não conseguia acreditar. A coisa que mais achava linda nesse mundo era ver seus pais juntos, mas agora...

Então, certo dia, conversando com Dominique, Rúbia foi aconselhada a procurar uma ajuda espiritual. Lembrou-se de uma médium e clarividente de quem havia ouvido falar certa vez. Ela chamava-se Mãe Mundinha. Resolveu procurá-la e encarar a situação. Ficou sabendo que a Mãe atendia em sua própria casa que ficava na Zona Leste da cidade de São Paulo. Telefonou para marcar horário e falou com uma secretária ou coisa assim. A sessão ficou agendada para dois dias após a ligação.
Chegado o dia, Rúbia arrumou-se e colocou uma maquiagem para disfarçar suas olheiras e sua aparência de quem vinha chorando seis meses seguidos, pois queria passar a imagem de uma mulher forte. Encontrou um pouco de dificuldade para localizar o local, mas não perdeu o horário. Ao tocar a campainha, foi recebida por uma garotinha moreninha, muito simpatiquinha, de cabelinhos crespinhos, mas bem cuidadinhos que pediu para que aguardasse em uma salinha simplesinha. Lembrou-se de sua infância ao ver a menininha correndo e gritando pela avó:
- Ô vóóó! A Rúbia chegou!
Achou uma gracinha o fato de a menina saber seu nome. Não demorou a que uma senhora negra de estatura mediana surgisse na sala onde Rúbia aguardava. A senhora usava um enorme vestido branco, um turbante na cabeça, várias pulseiras que quase cobriam seu antebraço esquerdo e uma infinidade de guias e colares no pescoço. Pensou que deveria haver mais colorido em suas guias do que em um computador de 64 bits e pensou também que aquela senhora parecia uma vendedora de acarajés da Bahia ou uma passista da ala das baianas de alguma escola de samba da Zona Leste. Lembrou da Whoopi Goldberg no filme Ghost e quis dar risada, mas se conteve.
- Bom dia, minha fia! Eu sô a Mãe Mundinha! Suncê parece triste pur dimais. Inté parece qui vem chorâno faiz seis mêis. Coitadinha, vâmu cunversá, qui suncê deve di tá cuma série di pobrema. – disse com uma mistura de sotaque nordestino com caipira e uma voz grave.
O cumprimento foi algo muito estranho aos olhos de Rúbia. Ao invés de beijos no rosto como Rúbia está acostumada, a Mãe Mundinha a segurou pelos ombros e a puxou duas vezes, batendo-a forte contra seu corpo. O ombro esquerdo de Rúbia em seu ombro direito e depois o seu ombro esquerdo no direito de Rúbia. E, a cada vez, soltava um gemido mais ou menos assim: “un-hum, un-hum”.
Acompanhou a Mãe até sua salinha de atendimento. Viu uma decoração assustadora e olhava para todos os cantos. Havia uma mesinha no centro, uma luz fraca e nas paredes havia de tudo, desconfiou que se procurasse bem poderia até achar uma foto sua. Havia santos, pais-de-santo, quadros e imagens religiosas de vários tipos, mais guias, crucifixo, plantas, flores, lanças, muitas velas, retalhos e uma série de outras coisas que não conseguiu definir com uma rápida passada de olhar. A Mãe pediu para que sentasse em uma cadeira à sua frente, de costas para a porta, e perguntou:
- E intaum! U qui vai sê? Búzios, tarô, leitura de mãos, astrologia, bola de cristal, runas, cristais, hipnose, numerologia, leitura da mente, borra do café, cabala?
- Nooossa! A senhora faz de tudo mesmo, hein!? – espanta-se Rúbia.
- É a crise minha fia! – responde a Mãe.
E Rúbia diz:
- Olha, na verdade, eu queria uma forma de poder pedir perdão para o meu marido que se suicidou há seis meses. Eu tenho me sentido muito culpada por isso.
- Ah! Intaum é isso o motivo di sua tristeza? Intaum precisâmu fazê cum qui suncê peça perdão a ele pessoalmente. – disse ela no momento em que levantava uma faca enorme.

***


Rúbia espantou-se e quase saiu correndo, pensando que aquela mulher iria fazê-la se encontrar com Mondrongo em outro plano astral. Mas, antes que Rúbia pudesse se mexer, a Mãe apareceu com uma galinha nas mãos não se sabe tirada de onde e, com a faca, fez um corte no pescoço da mesma e começou a espalhar o sangue que escorria por toda a mesa. Rúbia quase vomitou e quase saiu correndo novamente.
A Mãe pediu para que ela se levantasse, pois precisava de um descarrego. A Mãe Mundinha começou a esfregar com força suas mãos nos braços de Rúbia, dos ombros até suas mãos, sempre de cima para baixo e, vez por outra, estalava os dedos à sua frente algumas vezes. E dizia:
- Un-hum! Mizifia tá carregada! Un-hum! Vâmu discarregá! Vâmu discarregá!
Após isso, Rúbia sentiu-se aliviada e muito mais leve. Sentou-se novamente. Mãe Mundinha acendeu duas velas gordas e as colocou sobre a mesa, uma de cada lado. Pediu para segurar as mãos de Rúbia e perguntou qual o nome do marido e ela respondeu:
- Bruno Mondrongo!
Então a Mãe pediu para que Rúbia se concentrasse e fechou os olhos. De repente, ela começou a soltar um barulho pelo nariz como alguém meditando e começou a fazer movimentos circulares com a cabeça sobre os ombros. Rúbia podia ver, pois não conseguia ficar com os olhos totalmente fechados. Olhava com um dos olhos semi-aberto. Agora, podia ver os olhos da Mãe revirados apresentando somente suas escleróticas brancas e começou a ficar assustada.
Após um curto tempo, mas que para Rúbia pareceu uma eternidade, aquilo se acalmou. Seus olhos voltaram ao normal, ou quase, não pareciam ser os dela, mas olhavam fixamente dentro dos de Rúbia. Então a Mãe disse:
- Oi, Rúbia!
Rúbia assustou-se, largou as mãos da Mãe, engoliu seco e seu coração parecia uma rajada de metralhadora. Seus olhos se arregalaram e sua boca pendia semi-aberta. Era a voz de Mondrongo!
- Oi, amor! Tudo be...
- AMOR!? – gritou ele – Como assim AMOR!?
- Não faz assim comigo, por favor! Eu vim aqui te pedir perdão. Eu te amo! Aquilo que você escreveu no banheiro...
- Ah! Esquece aquilo! Você não sabe o inferno que eu estou passando aqui por sua causa! – retrucou a voz – É muita dor, medo, frio!
Rúbia já chorando, disse:
- Querido! Deixa-me conversar com você. Eu não queria que chegasse a esse ponto, eu não queria que isso acontece...
- HÁ! HÁ! HÁ! – interrompeu com cara de deboche.
- Eu te amo! Por favor, me perdoa! Onde você está? Por que fez aquilo? A Rafaelle não fala mais comigo, a Chandelle está quase doente... – insistiu ela.
- HÁ! HÁ! HÁ! – respondeu com expressão de raiva– E eu com isso? Você está viva. Cuida delas. HÁ! HÁ! HÁ!
E, nesse momento, a Mãe Mundinha começa a tremer, seus olhos se reviram de novo, sua cabeça se inclina para trás e de sua boca aberta começa a sair uma fumaça que vai crescendo até o teto da salinha e começa a tomar forma de algo que parece humano. O corpo da Mãe Mundinha cai inconsciente para frente e seu rosto se lambuza com o sangue da galinha.
A fumaça vai ganhando outra consistência. A sala começa a ficar gelada. A fumaça se torna uma criatura de fogo, mas é um fogo gelado, meio branco, meio vermelho. Rúbia não consegue distinguir. É difícil explicar. Consegue visualizar um par de chifres no alto. Ela está muito assustada. Sacudia a Mãe Mundinha para que a mesma acordasse, mas não teve êxito. E a criatura se dirigiu a Rúbia e falou com voz dupla:
- Não adianta criança! HÁ! HÁ! HÁ! Ela não vai acordar! Eu vou te levar comigo! Seu marido não te perdoa! Ele precisa de você ao lado dele! HÁ! HÁ! HÁ!
- NÃO! Saia daqui! Eu não vou com você nem morta! É... quer dizer... anh!... só se for por cima do meu cadáver... é... não, melhor não. É... fique longe de mim! E do meu marido também! Seu monstro! O que é você?
- Eu sou aquele que cuida do seu marido agora! – respondeu em voz dupla, a criatura – Você não vivia mandando ele ir para o inferno? É lá que ele está agora e você vai comigo também, criança!
Nesse momento, o demônio atira uma bola de fogo gelado em direção a Rúbia. A mesma salta da cadeira para o lado direito e consegue escapar. O fogo é branco e começa a queimar as paredes da salinha da Mãe Mundinha. Algumas outras bolas de fogo são atiradas e começam a viajar pela salinha ao encontro de Rúbia que corre pela pequena sala, atira alguns santos na criatura, mas essas passam direto por seu corpo de chamas. Rúbia pula tentando desviar das rajadas, até que uma passa de raspão em sua perna. A dor é fortíssima e faz com que Rúbia caia no chão e coloque as mãos na perna. Sente como se tivesse descido em um escorregador seco, sem roupas, mas é frio.
A salinha está quase toda em chamas. A criatura flutua e do alto ataca Rúbia e ri, se divertindo muito, parece estar em um jogo de videogame. Ao ver Rúbia caída, lança mais uma bola de fogo que acredita ser a derradeira, mas Rúbia desvia o corpo para a esquerda e se dirige à porta. Antes mesmo de ela chegar até a porta, a mesma se transforma em uma cortina de fogo, não permitindo que Rúbia fuja. Então, ela vira-se novamente para a criatura, olha bem em seus olhos e pensa em Mondrongo com todo o amor que sente por ele. O demônio a observa sem entender.

***


As duas velas que estão na mesa ainda se encontram acesas. Parecem ser o único fogo quente do local. Rúbia continua pensando em Mondrongo. O demônio continua olhando para Rúbia. As chamas das velas começam a se esticar e a se atrair uma para a outra. Ao se encontrarem, brilham forte e começam a se entrelaçarem em uma espiral que vai subindo e subindo até o teto, começam a engrossar e a tomar forma humana. A temperatura do local começa a esquentar.
Rúbia vê medo nos olhos do demônio. Ela também sente e não consegue disfarçar, pois também não sabe o que está acontecendo. A nova criatura que se formou se põe em posição de ataque contra o demônio e libera uma forte rajada de luz de suas mãos, o que faz com que o demônio voe para trás e bata na parede.
Não se dando por vencido, o demônio ainda ataca o outro espírito com suas bolas de fogo, fazendo-o cair para trás também. Começa, então, um festival de fogo e luz, de calor e frio, de brilhos e explosões pela sala. Rúbia pode perceber, em um momento, que as duas criaturas começaram a duelar com uma rajada constante, cada um de um lado. Como aquelas cenas que se vêem em desenhos animados. O demônio atacando com uma rajada constante de fogo contra o outro espírito com uma rajada constante de luz. O ponto em que as duas rajadas se encontravam brilhava demais, quase deixando Rúbia cega. Oscilava de um lado para o outro como em uma disputa de cabo de guerra. Quando viu o lado de luz aumentar, começou a torcer pelo espírito que parecia ter chegado para lhe salvar.
Quando a luz alcançou o demônio, houve uma explosão que o jogou para trás. O demônio se levantou enfurecido e quando pareceu que iria atacar com toda a fúria que ainda lhe restava, se transformou em uma chama voadora que deu algumas voltas pela salinha e, gritando, entrou pelo pescoço cortado da galinha e desapareceu. Junto com ele todo o fogo se apagou, menos os das velas. Começou a ventar pela sala toda e tudo foi se ajeitando no lugar anterior, peças quebradas se consertaram sozinhas e voltaram ao lugar de origem.
Ao se recompor, Rúbia olhou em volta e viu o espírito olhando-a serenamente e percebeu que conhecia aquele olhar. Então disse, emocionada:
- Mondrongo?
- Oi, Rúbia! – disse com a voz que por anos andou ao lado de Rúbia.
- Amor, eu vim te pedir perdão pelo que eu te fiz. Eu te amo! Você me salvou. Como você está?
- Eu estou mal! Suicidar-se não é nada agradável. O que te espera do outro lado não é gratificante quando se nega o maior presente que se ganha de Deus. A vida! Eu vim para o vale dos suicidas. É um lugar horrível!
- E... quem era esse que estava querendo me levar com ele? Era o diabo? – questionou Rúbia.
- Não, não! Ele não se dá a essas promiscuidades. Era apenas um de seus súditos. – esclareceu o espírito de Mondrongo.
- E... e... você está com ódio de mim mesmo? É verdade o que o demônio disse?
- Foi verdade! Quando cheguei onde estou senti muito ódio, mas já aprendi que este sentimento não me levará a lugar algum, quer dizer, me leva para lugares cada vez piores. Estou num lugar horrível, pois tirei minha vida, mas já tenho compreensão suficiente para aceitar minha punição.
- Você pode sair quando quiser? Aparecer assim? – empolgou-se Rúbia.
- Não! Eu não posso sair nunca enquanto estiver aqui. O que me trouxe de volta por esse instante foi o seu amor.
- Me perdoa, amor! Eu não fui compreensiva, fui precipitada. Que horror! – diz Rúbia inconformada.
- Eu é que devo te pedir perdão por ter sido fraco, por não ter pensado em você nem nas meninas. Eu te perdôo, mas não pode ser um trabalho só meu.
- O que eu posso fazer para amenizar minha culpa, para merecer seu perdão definitivo, para melhorar sua condição?
- Preciso que você cuide bem de nossas filhas, gaste seu dinheiro em boas causas e procure uma religião espiritualista que dê valor aos antepassados e ore muito por mim. Assim, as coisas irão se ajeitando gradual e naturalmente. Agora preciso ir! – disse Mondrongo, ainda em tom sereno.
- Claro! Adeus! – despede-se Rúbia.
- Adeus! Eu sempre vou te amar!
E, nesse momento, a figura que era a visualização de Mondrongo foi se tornando, novamente, uma espiral de luz e voltando para as velas, se desenrolando até sumir. Com as chamas das velas normalizadas, Rúbia leva outro susto quando a Mãe Mundinha levanta sua cabeça da mesa, de repente.
Ela está com os olhos arregalados, o rosto sujo de sangue de galinha e puxa o fôlego muito forte até encher por completo seus pulmões, quase acabando com o ar da salinha, como se tivesse ficado durante uma semana sem respirar debaixo d’água, e falou:
- E intaum, mizifia, cunversô co seu marido?
- Conversei, Mãe, conversei,. Muito obrigado! – respondeu, aliviada.
- Qui bão! Já tá inté cas aparência mio, né fia? – confortou-a Mãe Mundinha – Acho qui ocê pricisa acertá a sessão.
- Ah! Claro! Está aqui! – falou Rúbia colocando dinheiro nas mãos da Mãe e completou – É..., Mãe! Posso levar as velas?
- Craro, fia, pode levá, pode levá!
Assim ela foi embora para casa descansar um pouco para no outro dia, muito mais alegre, começar a procurar o que foi orientado por Mondrongo, para que as coisas começassem a entrar nos eixos em sua vida.