VI - Um festival...


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Esta história é uma homenagem às grandes bandas citadas nela. É claro que muitos dos fatos citados não poderiam ter ocorrido, principalmente, pelo fato de não estarem, cronologicamente, situados na mesma época, mas... espero que se divirtam! Rock n’ Roll!!!
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Rúbia no Show de Rock
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13 de julho. Dia Mundial do Rock. Acontecia, em São Paulo, um festival organizado por um site especializado em rock, uma rádio rock e um jornal de grande circulação. O festival foi batizado de Metal Storm e era uma reunião poderosa de alguns nomes do rock em suas várias formas de expressão. Dez bandas. Três nacionais e sete internacionais reunidas no Estádio do Morumbi. E, Rúbia, como boa roqueira, ou boa metaleira, ou boa headbanger, ou como queiram denominar, tinha que estar lá presente.
Rúbia combinou de encontrar uns colegas em frente ao Shopping Butantã. Ao chegar, todos já estavam lá. O Dave – para quem a Rúbia “pagava um pau”, a Dominique – sua melhor amiga, o Alecs – um colega deles, e um tal de Hugo – que era colega do Dave, mas nem Rúbia nem Dominique nem Alecs conheciam.
- Demorou, hein! – falou Dave.
- Puxa vida! Pode me falar ‘oi’ antes? – choramingou Rúbia.
- Oi, Bia! Tudo bem? Tô brincando. – disse Dave, beijando-a no rosto e apresentando seu amigo Hugo – Esse é o Hugo, um amigo meu da faculdade.
Rúbia odiava ser chamada de Bia, mas como foi o Dave, ela aceitara. Cumprimentou o Hugo e, depois o Alecs e foi dar um forte abraço em Dominique, que a cumprimentou com um selinho e perguntou:
- Cadê o Mondrongo?
- Ele não gosta de Rock e está sem falar comigo desde que eu comprei o ingresso. – respondeu Rúbia, com cara de lamentação – Mas hoje não é dia para tristeza, depois eu resolvo isso, né não?
- Então, vamos? – perguntou Dave.
Todos assentiram. E foram andando pela avenida que os levaria até o Estádio do Morumbi. Dave era mais ou menos como um líder da turma e era isso que Rúbia admirava nele, além de seus olhos, é claro. E de seu tórax, de suas pernas e de... é... deixa pra lá.
Durante todo o percurso da avenida, foram conversando e rindo muito com as piadas e palhaçadas de Alecs. Rúbia e Dominique colocavam as fofocas em dia. Pelo caminho viam vários tipos de pessoas indo ao show. Punks, metaleiros, grunges, largados e até uns tipos que pareciam rappers. Cabelos dos mais coloridos, moicanos, tatuagens, piercings, lentes de contato, pulseiras, jaquetas, botas, couro, metal, era um verdadeiro festival.
Quando chegaram à porta do Estádio, a coisa ficou um pouco mais variada e, quando entraram, um pouco mais ainda. O público é sempre um espetáculo à parte que já vale o valor do ingresso. Comprado com carteirinha de estudante, então, melhora um pouco.
O palco era enorme, decorado com metais que pareciam estar retorcidos. Toneladas de som. Dois telões enormes nas laterais do palco. Milhares de pessoas lá dentro. Estava tocando “Back In Black” do AC/DC. Um calafrio tomou conta do corpo de Rúbia. Aquilo era um sonho lindo demais. Tinha medo de acordar.
Quando Rúbia se lembrou de que estava no Morumbi – como boa São-paulina que é – quis subir no emblema do clube que fica na lateral do Estádio e arrastou todos para lá, sem querer saber a opinião de ninguém. Achou o emblema lindo. Estava achando tudo lindo. O Estádio, a decoração, o Festival, as bandas, o público, o Dave.
Sentaram-se, todos, sobre o emblema do São Paulo Futebol Clube. Eram, mais ou menos, dez horas da manhã e a primeira banda entraria ao meio-dia, se não atrasasse. Dave e Rúbia são os que mais se interessam pelas histórias das bandas, nomes de músicas, discografia e etc. e são os que mais falam sobre isso, mas quem começou a conversa foi Dominique:
- Vocês viram o novo baixista do Metallica?
- Ele era do Suicidal Tendencies. – responde Dave.
- E do Infectious Grooves também. – acrescenta Rúbia.
- Ele não tocava com o Ozzy? – questiona Alecs.
- Ele tocou no último disco do Ozzy – esclarece Dave – Ele é bom pra caramba!
- Eu achei ele esquisito. Preferia o Jason. – manifesta-se Dominique – Era mais bonitinho.
- Dããã, Miquê! Ah não, né? – debocha Rúbia – Mas o Metallica não é mais o mesmo, realmente. Espero que voltem a serem bons como eram antes
Enquanto estavam conversando, puderam ver um rapaz correndo feito um louco, dos fundos do Estádio em direção à multidão que estava mais próxima ao palco, com dois policiais militares em sua cola. De repente, o rapaz entrou no meio da multidão e sumiu. Os dois PMs ficaram só olhando e não puderam fazer nada.
O calor era muito forte. Algumas vezes, antes de os shows começarem e durante seus intervalos, os bombeiros lançavam jatos de água para o alto, para refrescar a multidão, com enormes mangueiras. Isso já era um show à parte.
Muitas conversas e testes de som depois, é chegada a hora de a primeira banda entrar em cena. Estava somente meia hora atrasada. Um locutor da rádio que estava entre as promotoras do evento começou com aquela baboseira de ‘como vocês estão?’, etc. e anunciou a primeira banda do dia. Então ele gritou:
- Spank Bad Thing!!!

***


Era uma banda pouco conhecida ainda, com pouco tempo de formação, que havia ganhado um concurso promovido pelo site – um dos promotores do evento – e ganhado a oportunidade de abrir o Festival. Faziam um som sem rótulos, cada música tinha um estilo diferente. Alguns rotulavam como new metal, outros como crossover, enfim...
Quando eles começaram a entrar, Rúbia soltou um grito, pois era a que melhor conhecia a banda e a adorava. Conhecia alguns de seus integrantes pessoalmente. Agitou feito uma louca, pulou, gritou mais um pouco e foi curtindo. Ficaram assistindo ao show próximos ao emblema do Clube.
Rúbia conhecia todas as músicas que eles tocaram – “Seven”, “A Call To Arms”, “Seqüela”, enfim todas. Já seus colegas só reconheceram as versões que eles fizeram para “Black” do Pearl Jam, “Fade To Black” e “Seek And Destroy” do Metallica.
O show terminou um pouco rápido demais para Rúbia.
- Que banda é essa, Bia? – perguntou Dave.
- Vocês viram que louco? Que lindinhos que eles são? Viu os solos do guitarrista? Viu como o vocalista é doido? – entusiasmou-se Rúbia.
- É, vimos! São legais. O som é muito louco. Gostei! – respondeu Dave.
- São lindinhos, mesmo! – disse Dominique.
Intervalo para a entrada da próxima banda. Em todo intervalo tocavam clássicos do rock de bandas que não estavam participando do Festival. Resolveram ir procurar alguma coisa para comer. Encontraram algumas barracas lotadas nas laterais do Estádio, mas decidiram enfrentar. Dave, como sempre, tomou a frente e se prontificou a pegar para todos:
- Vamos fazer o seguinte: vocês escolhem o que querem e eu e o Hugo vamos buscar, para não ficar um tumulto de gente lá. – disse.
Rúbia achou essa atitude o máximo e disse:
- Eu vou querer uma mini-pizza e um suco de morango.
- Eu quero um misto-quente e um guaraná. – escolheu Dominique.
- Hunn! Eu acho que vou querer um lanche de filé de frango e uma soda. – decidiu-se Alecs.
Dave, então, recolheu o dinheiro de todos e disse para Rúbia:
- Bia, pode deixar que o seu, eu pago. – e completou para o Alecs – Você cuida das meninas direito, hein, ô peão.
- Pode deixar! – garantiu Alecs.
Rúbia estava meio abobada e Dominique estava olhando feio para ela, pois lembrava do Mondrongo. Gostava dele como pessoa e não queria que Rúbia fizesse algo que pudesse magoá-lo.
Dave e Hugo voltaram com os comes e bebes. Resolveram sentar-se para comer até o próximo show começar. Viam, vez ou outra, alguns grupos disputando quem fazia a torre humana mais alta. O pessoal subia uns nos ombros dos outros até que não agüentavam mais e caíam. Rúbia e Dominique achavam tudo isso muito divertido.
Eles ainda estavam comendo quando veio o locutor da rádio novamente jogar alguns brindes para a galera, interromper “Smells Like Teen Spirit” do Nirvana, e anunciar a próxima banda. Perguntou se todos estavam preparados para o ‘forrócore’ e anunciou:
- Raimundos!!!
Os Raimundos ainda estavam com Rodolfo nos vocais e já subiram ao palco quebrando tudo com “Tora Tora”. Tocaram músicas de toda a carreira, desde “Puteiro Em João Pessoa” até “20 E Poucos Anos” do Fábio Jr. Mas o grande momento foi quando convidaram o Marky Ramone (baterista dos Ramones) para subir ao palco e tocar com eles “Pequena Raimunda”. Tanto a galera quanto os Raimundos foram ao delírio.
Mais um intervalo. Rúbia queria ir ao banheiro, pois ficou cheia com o suco. Chamou Dominique para ir com ela. Havia cabines nos fundos e nas laterais do Estádio. Foram até os fundos para andar um pouco e ver alguns meninos bonitos. Então Dominique falou para Rúbia:
- Você tá dando mó brecha pro Dave, né, senhorita?
- Eeeu! Qué isso, Miquê! – espantou-se Rúbia!
- Tá pensando que eu não tô vendo, é? – indignou-se Dominique.
- Ah! Não rola nada! Mas que ele é um gato, é, né? – Rúbia responde.
- É bom que não role nada, dona Rúbia, porque o Mondrongo iria ficar muito chateado –Dominique recrimina – e pra piorar o Dave te chama de Bia e você nem liga.
- Primeiro, o Mondrongo não tem que saber de nada! – irrita-se Rúbia – Segundo, eu não gosto que ele me chame assim, mas vou falar para ele? Fica chato, né?
- Sei, sei! – suspira Dominique – Vamos ao banheiro, vai!
Dominique entra em uma cabine e Rúbia em outra. Rúbia olha aquilo desesperada. Sabe que vai ter que fazer malabarismo para fazer xixi. Ela pega um pedaço de papel higiênico em sua bolsa, abaixa as calças, sobe no vaso e fica de cócoras. Apóia suas mãos nas laterais da cabine. Neste momento, sente que encostou sua mão esquerda em algo úmido e macio, mas prefere não olhar até terminar seu xixi, pois está muito apertada. Ao terminar, olha para seu lado esquerdo para confirmar sobre o que havia colocado sua mão, percebe se tratar de um absorvente usado e colado na parede da cabine com o sangue voltado para fora e grita:
- Aaaai, que nojo!!! Filha da puta!!!
Sua mão estava encharcada e um filete de sangue escorreu até seu cotovelo. Dominique que estava na cabine ao lado pergunta o que estava acontecendo. Rúbia pede para ela esperar que vai precisar de ajuda. Não sabe se limpa as mãos ou lá embaixo com o pedaço de papel. Resolve se limpar primeiro lá embaixo. Depois passa um pouco de papel, que estava úmido com urina, do cotovelo até a sua mão, só para o sangue não escorrer mais. Sobe suas calças com a maior dificuldade, pois está somente com uma mão. Enfim, sai da cabine.
Dominique vê sua mão e pergunta se Rúbia havia se machucado. Rúbia conta o que aconteceu e Dominique precisa voltar à cabine para vomitar. Rúbia olha para o céu com cara de desânimo e suspira. Quando Dominique volta, Rúbia diz:
- Anda logo, por favor! Pega uma garrafinha de água que está na minha mochila para eu lavar isso.
Dominique assim o faz e Rúbia pega um pouco de sabonete líquido que tem em uma torneirinha dentro da cabine. Pede para Dominique jogar um pouco de água em seu braço, esfrega com o sabonete e depois, pede para que jogue o resto da água. Pronto, está limpa.
Resolveram voltar para perto dos meninos, pois Rúbia sabia em qual ordem as bandas tocariam e, tinha medo dos punks agitando com a próxima. Enquanto isso, tocava “Polícia” dos Titãs.
Realmente, não se sabe de onde surgiram tantos punks juntos naquele momento em que o locutor volta ao palco para anunciar a próxima atração. De qualquer forma, sabendo ou não se os punks surgem de algum porão, a banda é anunciada em alto e bom som:
- Ramones!!!

***


Joey Ramone ainda estava vivo. Foi um festival de “one, two, three, four” e uma música atrás da outra. Metade do estádio havia sido dominada por punks, mas os mesmos não tinham aparência hostil ou agressiva. O show transcorreu com bastante calma. Toda a galera foi ao delírio quando os Ramones tocaram “Blitzkrieg Bop” e “Pinhead”, pois puderam gritar com toda energia: ‘Hey, ho! Let´s go! Hey, ho! Let´s go!’ e ‘Gabba Gabba Hey!’. Mas o grande momento mesmo foi quando tocaram “Pet Semetary”.
Chegou a hora de o show terminar. Mais um intervalo. Os punks começaram a dispersar. Suados. Alguns carecas começaram a tomar conta do local. Rúbia tinha mais medo ainda deles. Percebeu que estava tocando “Stairway To Heaven” do Led Zeppelin. Olhou para a entrada do Estádio e viu que ainda tinha gente entrando e alguns já saindo. Não se conformava se caberiam todas essas pessoas lá dentro e se perguntava porque tinha pessoas que pagavam pelo ingresso e iam embora antes de o show terminar.
Agora, as torres humanas utilizavam as placas de madeira que cobriam o gramado. Uns seguravam e outros subiam e ficavam pulando em cima. Mas a segurança local deu um basta rapidinho e Rúbia achou legal:
- Essas placas servem para proteger o gramado e esses babacas pegam e pisam no gramado do meu Tricolor!
- Larga de ser implicante, Bia. – disse Dave.
Rúbia mostrou a língua e Dave completou:
- Olha que eu pego ela, hein!
Dominique estava rindo feito uma louca com as gracinhas do Alecs. Hugo não falava quase nada. Rúbia e Dave conversavam sobre outras bandas. Então, eis que surge, novamente, o locutor da rádio. Perguntou se a galera estava preparada para mais peso e anunciou a próxima banda:
- Pantera!!!
Agora foi a vez dos carecas tomarem conta do pedaço. Agitavam muito. Rúbia a sua turma tiveram que ir um pouco mais para trás, pois, senão, seriam atingidos pela agitação do pessoal. Músicas como “Mouth For War” e “Cowboys From Hell” fizeram algumas rodas de brigas se formarem. Foi o show mais violento do dia.
Mas, no palco, a coisa foi muito diferente. Phil Anselmo, o vocalista, pedia paz e que o pessoal se divertisse, mas mais da metade não entendia, pois o vocalista falava em inglês. Ameaçou terminar o show se a galera não parasse de arrumar confusão, mas percebeu que ninguém entendia e resolveu continuar até o fim. Ainda bem!
Mais um intervalo. Já era início de noite. O tempo começou a esfriar. As luzes do Estádio começaram a acender. Entre os clássicos do rock que tocavam nos intervalos, estava “Smoke On The Water” do Deep Purple.
Resolveram passear um pouco pelo Estádio e sentaram-se do lado oposto a onde estavam sentados antes. Sem perceber, sentaram-se perto de uma rodinha de jovens que começaram a acender cigarros. Pelo cheiro, Dave percebeu que era maconha e comentou com todos. Rúbia perguntou:
- Ah! Então esse é o cheiro de maconha?
- Horrível, né? – disse Alecs.
- Ah! Até que não achei ruim, não! – discordou Rúbia e ficou fungando o cheiro.
Dominique disse:
- Pára com isso, sua xarope!
Rúbia começou a rir desesperadamente. Não achava graça de nada, mas não conseguia parar de rir. Então, Dave disse:
- Ih! Tá bem lôca!
De repente, Rúbia pára de rir e faz cara de assustada, com a boca aberta. Estava vendo um carinha negro de gorro e tanga vermelhos, com um cachimbo na boca e uma perna só. Quis dizer que estava vendo o Saci-Pererê, mas achou ser efeito da maconha e somente deu mais risada.
As luzes do Estádio se apagaram. A música parou de tocar. Os telões foram ligados. Rúbia só parou de rir quando o locutor subiu ao palco mais uma vez e anunciou a primeira atração a tocar à noite:
- System Of A Down!!!
Ao primeiro acorde de “Prison Song”, houve um flash de canhões de luz do palco e a galera foi à loucura. Rúbia ainda estava tonta, mas também gritou. Era a hora do New Metal! “Chop Suey!” quase fez o Estádio virar do avesso. Mas Dominique e Rúbia gostaram mesmo de “Aerials”. Dave, Hugo e Alecs não se conformavam com a velocidade com que Serj Tankian cantava.
Os telões estavam com imagem muito boa, mas o show chegou ao fim. Outro intervalo. As luzes começaram a acender. Música mecânica novamente. Dessa vez tocou “Enter Sandman” do Metallica, entre outras.
Procuraram outro lugar para sentarem, longe dos maconheiros antes que a Rúbia começasse a dar trabalho. Dave e Hugo foram comprar cervejas e perguntou se mais alguém queria.
- Você vai querer, Dominique? – perguntou Alecs.
- Não, não! Obrigada! – respondeu.
- Eu também não quero, então. – disse Alecs para Dave.
- Ai que lindinho! – ironizou Dave e perguntou a Rúbia – E você, Bia, vai querer uma?
- Não, obrigada! Eu não bebo!
- Ah! Não acredito! Roqueira que não bebe? – ironizou, mais uma vez, Dave.
Rúbia odiava essa história de que Rock tem ligação direta com álcool, drogas, cigarro, sexo, satanismo, tatuagens, piercings, etc. e disse, brava:
- Não bebo, não fumo e não uso drogas! Por quê? Tem algum problema nisso?
- Ih! Podia dormir sem essa, maluco! – disse Hugo puxando Dave – Vamos nessa antes que comece o outro show.
Ao voltarem, as luzes começaram a apagar e o locutor voltou perguntando se estavam cansados e tal, e anunciou a próxima banda:
- Faith No More!!!

***


O show já começou arrebentando as portas com “Digging The Grave”. Depois de umas três músicas, Mike Patton disse ‘Boa noite, São Paulo!’ e cantou “Evidence” em português. Na seqüência, tocaram “Edge Of The World”, “Easy” e “I Started A Joke”; o que foi um prato cheio para o romantismo, fazendo com que Alecs parasse com as palhaçadas e roubasse vários beijos de Dominique. Terminaram o show com “Epic”.
Mas tudo que é bom, dura pouco. O show acabou, as luzes do Estádio começaram a acender, mais clássicos nos alto-falantes – entre eles “Blind” do Korn. A turma de Rúbia resolveu dar mais uma passeada pelo local. encontraram uma barraca que vendia e colocava piercings e tinha mostruários de tatuagens. Havia cabines para colocar piercings e fazer tatuagens. Então, Dominique – de mãos dadas com Alecs – disse:
- Aí, Rúbia! Coloca um piercing!
- Você tá louca? – respondeu Rúbia – O Mondrongo já não está falando comigo. Se eu colocar um piercing ou fizer uma tatuagem, ele termina o namoro.
- Como coisa que você está muito preocupada com isso, né, queridinha? – retrucou Dominique.
- Qual é, hein, Miquê? – reclama Rúbia, já partindo em direção a Dominique.
- Ei, ei, ei, vamos parar com isso, as duas donzelas!? – aparta Dave.
Rúbia se acalma ao sentir Dave a segurando pelo ombro, e diz:
- Não vou deixar nada estragar esse dia maravilhoso, tá, Dominique?
Dominique se cala. Eles continuam andando, Dave pega a mão de Rúbia para andar, mas Rúbia puxa a mão de volta.
Os mais largados e alternativos começam a dispersar. As proximidades do palco começam a ser tomada por uma multidão de pessoas vestidas de preto dos pés à cabeça. Percebe-se que está chegando a vez do Metal.
O locutor da rádio, que já virou locutor do evento, volta ao palco para atirar mais alguns brindes. Agora são CDs das bandas participantes. E, em alto e em bom tom, anuncia que agora vai começar a porradaria e chama a próxima banda:
- Sepultura!!!
Max Cavalera ainda estava à frente da banda e já entrou gritando: ‘São Paulo! Vâmo detoná essa porra!!!’. Começou a pancadaria. Em certo momento, Max chamou ao palco uns amigos, como ele mesmo denominou – Mike Patton, do Faith No More; Jason Newsted, ex-Metallica; e o dj do Pavilhão Nove –, para tocarem “Lookaway”.
Dominique deu um berro:
- Aaaaaah! Rúbia! É o Jason!!!
- Tô vendo, sua louca! – respondeu, rindo, Rúbia.
Após essa música, Jason Newsted ficou até o final do show tocando com o Sepultura que, na seqüência soltou “Roots Bloody Roots”. Alguns malucos acenderam uma fogueira nos fundos do Estádio; não dava para saber o que eles queimavam, mas havia uma fumaça preta e consistente subindo e subindo. Foi tudo muito louco, mas mais um show chegou ao fim.
Dominique disse que estava com fome e todos perceberam que também estavam. Foram procurar barracas de lanches do lado oposto ao de onde tinham comido à tarde. Dave repetiu o ritual pegando o dinheiro e pedido de todos, chamando Hugo para ir com ele e informando Rúbia que pagaria o que ela quisesse.
- Eu quero um hambúrguer e uma soda. – adiantou-se Dominique.
- Eu vou querer um bauru e um suco de maçã. – resolveu Alecs.
Rúbia, então decidiu abusar:
- Eu quero um pastel de queijo, um espetinho de camarão e um suco de abacaxi.
- Caramba! Você vai comer tudo isso? – perguntou Dave, e completou – Como é que eu vou trazer isso? Vamos com a gente, Alecs!
- E quem vai cuidar delas? – perguntou Alecs.
- Sabe o que você pode fazer? – solucionou Rúbia – Traz o nosso antes e depois volta para comprar o seu.
- Rá! Rá! Rá! Gracinha! – sacaneou Dave.
- Vai logo antes que o próximo show comece. – definiu Rúbia – Aproveita que os metaleiros estão todos concentrados e não vão comer agora.
Dave fez cara de insatisfeito, mas concordou e foi comprar. Neste momento, estava tocando “Painkiller” do Judas Priest. Algum tempo depois, Dave volta com os lanches do Alecs e das meninas e retorna à barraca para comprar seu lanche e o do Hugo. Rúbia dividiu seu espetinho com Dominique. Hugo e Dave ainda não haviam terminado seus lanches quando as luzes começaram a apagar e o som foi cortado para que o locutor voltasse para fazer anúncio de mais porrada para a noite:
- Slayer!!!
O show começa com um som de disco (LP) girando ao contrário para dar início à música “Hell Awaits”. Segue-se uma fúria incontrolável. Dave Lombardo ainda está no comando das baquetas. Rúbia e Dominique riem muito de um carinha agitando com uma cabeleira crespa enorme e dura que não mexia. O show transcorreu em ritmo acelerado. O Estádio quase veio abaixo com músicas como “Angel Of Death” e “Seasons In The Abyss”.
Ao final do show, resolveram sentar para conversarem. Comentaram sobre como tudo foi muito bem organizado, sem nenhum atraso até agora, exceto no primeiro show. Todos os intervalos duraram trinta minutos. As trocas de palco foram rápidas. As bandas foram divididas, mais ou menos, por estilo musical. Os telões estavam com boa imagem. No momento em que comentavam sobre isso, começou a tocar “Sole Survivor” do Helloween.
Conversa vai, conversa vem, então passa um grupo de seis jovens, entre rapazes e garotas, que Hugo reconhece. Pede para os outros esperarem um pouco, levanta-se e vai conversar com eles. Rúbia e os outros ficaram sentados e começaram a conversar sobre seus cursos na faculdade que todos começaram esse ano. Cada um estudava em uma faculdade diferente. Rúbia cursava Publicidade; Dave e Hugo, Direito; Dominique, Letras; e Alecs, Engenharia Civil.
Após algum tempo, Hugo volta e diz ao Dave:
- Ô Dave! Eu vou agitar mais lá no meio da galera com uns camaradas meus que eu encontrei aqui e depois eu encontro vocês por aqui mesmo, perto da torre central de som, beleza?
- Tudo bem, mas vê se não apronta e se cuida. E volta logo que acabar o próximo show. Falou? – respondeu Dave.
Hugo assente com a cabeça e faz sinal positivo com o polegar. Rúbia diz não gostar da idéia. Diz que depois se ele se perder vai ser um ‘Deus-nos-acuda’. Dave diz para ela relaxar, mas Dominique e Alecs concordam com Rúbia; só que agora, o que se há de fazer? Ele já havia ido.
As luzes começam a apagar, a música pára, o locutor volta, joga algumas camisetas e encordoamentos de guitarra para a galera e, mais uma vez, anuncia uma das duas grandes bandas que iriam encerrar o Festival. É meia-noite e meia e ele grita:
-Iron Maiden!!!

***


Sobe ao palco a ‘Donzela de Ferro’, com três guitarras e Bruce Dickinson nos vocais. Faz um show mais longo que as bandas anteriores. O show é recheado de efeitos pirotécnicos, explosões e luzes. Bruce Dickinson é muito comunicativo e empolga a galera o tempo todo. Tocam músicas de toda a carreira. Os pontos mais altos são com “The Number Of The Beast”, “Aces High”, “The Trooper” e “Fear Of The Dark”. As três guitarras, ao vivo, produzem uma massa sonora de arrepiar. Rúbia e Dominique curtem, feito loucas, principalmente, quando tocam “Wasting Love”. No momento em que toca “Iron Maiden”, aparece uma Eddie gigante e fica tentando pegar os integrantes da banda e o guitarrista Janick Gers fica lutando contra ela.
Após duas horas que pareceram um minuto, o show termina. Ninguém parece cansado e ainda pede mais, mas o bis também já havia acabado. Rúbia comenta que nunca esquecerá o Bruce Dickinson gritando: ‘Scream for me São Paulo!’.
Dominique diz que está querendo ir ao banheiro e pede para que Alecs vá com ela. Dave e Rúbia resolvem ficar em frente à torre de controle de som que é cercada por grades.
Rúbia diz estar com frio. Dave tira sua jaqueta de couro do Kiss e a coloca sobre as costas dela. Ele senta-se, encostando as costas na grade que envolve a torre, abre as pernas e oferece que Rúbia sente-se em frente a ele. Ela aceita e se senta de costas para ele. Ele puxa a jaqueta para frente do corpo dela e a abraça. A jaqueta é grande e cobre Rúbia, que é pequena, do pescoço até o meio de suas coxas. Dave começa a beijar o pescoço de Rúbia.
Dominique, ao sair do banheiro, sugere que ela e Alecs poderiam tomar alguma coisa. Ele topa e vão até a barraca de bebidas. Dominique sugere um vinho e ele compra um copo para os dois. Alecs, como sempre faz gracinhas que quase fazem Dominique ter que voltar ao banheiro. Quando terminam de beber, ele procura um lixo para jogar o copo vazio e a surpreende com um beijo de cinema. Ela gosta e continua a beijá-lo. Ficam ali por um bom tempo.
Por baixo da jaqueta, Dave começa a passar a mão direita pela barriga de Rúbia. Ela fecha os olhos e deita a cabeça de lado. Ele começa a beijar sua orelha esquerda, procura o botão da calça cargo dela e, vagarosamente, o abre e abre, também, o zíper. Ela vira mais a cabeça e Dave começa a beijá-la na boca, enquanto sua mão já passeia por cima de sua calcinha.
Alecs e Dominique param de se beijar e se entreolham com um pouco de vergonha, por não se conhecerem muito bem. Mas está tudo bem. Alecs acha Dominique linda. Ele adora loiras. Dominique acha Alecs muito divertido e criativo. Ela adora rir. Resolvem voltar ao local onde estão Rúbia e Dave, pois o próximo show iria começar logo.
Dave começa a colocar a mão por dentro da calcinha de Rúbia. Ela arregala os olhos e trava a língua, mas vê que Dave está de olhos fechados e resolve relaxar e continuar beijando-o, então agarra as coxas dele. Ele a acaricia com bastante cuidado e habilidade, deixando-a maluca. Neste momento, Dominique e Alecs chegam, mas os dois nem percebem. Dominique vê aquilo, faz cara de brava, apesar de nem imaginar o que está acontecendo por baixo da jaqueta do Kiss de Dave, e vai em direção aos dois para separá-los, mas Alecs a detém e começa a beijá-la.
Neste momento, está tocando “Black Metal” do Venom, mas nem Dave, nem Rúbia, nem Dominique, nem Alecs escutam. As luzes começam a apagar, o locutor volta para anunciar a última grande atração da noite, mas nenhum deles escuta.
Dave sente que Rúbia está com o corpo tremendo um pouco. Ela crava suas unhas nas coxas dele, morde sua língua e franze a testa. Ela não agüenta mais.
Então, o locutor anuncia:
- Black Sabbath!!!
A multidão toda começa a gritar em louvor aos deuses do Metal. Rúbia aproveita para gritar de tesão e puxar a mão de Dave de dentro de sua calça. Ela fecha suas calças com as mãos ainda bobas e levanta-se rapidamente, mas perde um pouco o equilíbrio; devolve a jaqueta para Dave, pois está morrendo de calor.
Os quatro Cavaleiros do Apocalipse – Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward – sobem ao palco. Parece um sonho! Formação original! O clima sombrio promete que será uma noite inesquecível. A voz de Ozzy anuncia que o mal está presente.
Começaram com “War Pigs”, tocaram “Sabbath Bloody Sabbath”, “The Wizard”, “Iron Man”, “N.I.B.” e todos os outros clássicos. Durante a música “Black Sabbath”, todas as luzes ficaram, completamente, apagadas, dando um clima de terror. Tocaram ainda “Snowblind”, “Sweet Leaf”, “Eletric Funeral”. Foi um festival à parte.
Quando voltaram para o bis, encerraram o show com “Symptom Of The Universe”, “Children Of The Grave” e “Paranoid”.
Rúbia está estática, sem fala, achou tudo muito louco, sentia arrepios no corpo todo, sentia vontade de chorar de emoção. Disse que nunca esquecerá o Ozzy dizendo: ‘Let me see your fucking hands!’. As luzes se acendem, muita gente suada começa a ir embora. Eles também resolvem ir, mas... Rúbia pergunta:
- Onde está o seu colega, Dave?

***


- Ai meu Deus! O Hugo! Ele disse que ia voltar depois do show do Iron. – lembra Dave, com cara de desanimado.
- Pronto! Era só o que faltava! Agora nós quatro vamos ter que ficar chamando o Hugo! – Alecs faz uma de suas gracinhas.
Dominique ri igual uma boba e, quando se recompõe, diz:
- Ah! Larga ele aí! Ele não voltou porque não quis! Ele já é maior de idade, responsável e deve saber ir embora sozinho.
- Não é assim não, Dominique! – adverte Alecs – Nós precisamos encontrá-lo.
Rúbia concorda, mas diz:
- Tudo bem! Concordo, mas o que você sugere que nós façamos aqui no meio de, sei lá, cem mil pessoas?
- A gente poderia enfiar o dedo na garganta para ver se o Hugo chega. – responde Alecs.
Dominique senta no chão de tanto rir e diz que vai fazer xixi na calça. Rúbia também ri muito, mas diz que é sério. Dave, então toma a decisão:
- Eu vou procurá-lo e vocês me esperam aqui.
Rúbia fala:
- Ah, não! Mais um desaparecido, não! Vamos todos juntos, então!
Os outros concordam. Partem pelo Estádio, sem destino, enfrentando o trânsito contrário ao pessoal que busca a saída. Após uns quinze minutos andando, avistam em um canto próximo ao palco, do lado esquerdo do Estádio, um corpo de um rapaz deitado.
Ao chegarem mais perto, percebem que o rapaz está somente de cuecas, deitado sobre uma porção de sacos brancos e cheios. Caminham devagar, pois não querem acreditar que possa se tratar de Hugo. Mas Dave acelera o passo e percebe que se trata de seu amigo deitado sobre sacos de gelo.
Dave o chama, mas Hugo não responde. Dá tapinhas em seu rosto e nada. Olha em volta para ver se encontra suas roupas. Dominique começa a chorar no ombro de Alecs. Rúbia chega mais perto para verificar seu pulso e informa que está vivo.
- Me ajuda a levantá-lo, Alecs. – pede Dave.
Alecs prontamente atende. Rúbia vai ao encontro de Dominique para acolhê-la e quando o colocam sentado, Rúbia vê em suas costas dois cortes, na altura dos cotovelos. Cortes limpos, secos e com precisão cirúrgica.
- Ai, deita ele de novo! Ele está com dois cortes nas costas. – avisa Rúbia.
Alecs e Dave obedecem e resolvem procurar o posto médico. As meninas ficam vigiando para que ninguém mexa com ele ou para o caso de ele acordar. Logo os meninos voltam com dois médicos carregando uma maca e um estojo de primeiros socorros.
Os médicos examinam, verificam pressão, batimentos cardíacos e os cortes. Pergunta se são amigos dele e informa que os rins do garoto foram roubados e que ele deve ser hospitalizado imediatamente.
Dave pergunta como isso acontece e o médico explica:
- Existem quadrilhas que roubam rins para vender, no mercado negro, ao exterior ou para pessoas que estejam precisando de transplantes. Eles embebedam a pessoa ou colocam sedativos em suas bebidas. Com a pessoa adormecida, retiram seus rins por esses cortes em suas costas e a deixa deitada sobre o gelo para que o ferimento cicatrize, até que alguém as encontre. Mas, agora, temos que levá-lo. Por favor, avisem a família dele.
Dave assentiu. Resolveram ir embora, muito abalados ainda. Rúbia tentou confortar Dave, mas o mesmo queria chorar, pois sabia que não devia ter deixado Hugo sair de perto da turma para sair com aqueles caras, ladrões de rins.
Ao saírem do Estádio, foram caminhando até a Avenida Francisco Morato para pegarem os ônibus para suas casas. Já eram mais de seis horas da manhã. Despediram-se. Dave e Rúbia com um beijo no rosto. Alecs e Dominique com um longo beijo na boca. Dave e Alecs pegaram o mesmo ônibus, Dave ainda tinha que pegar outro na Estação da Luz, já Alecs pegaria o trem. Rúbia foi dormir na casa de Dominique, pois iria passar o domingo lá, levando bronca por ter ficado com o Dave e conversando sobre muitas outras coisas.
Hugo acordou no hospital e ficou internado durante seis meses até conseguir a doação de rins novos. Durante esses seis meses, ele ficou ligado a aparelhos que filtravam seu sangue o tempo todo.

V - A Mãe Mundinha...


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Rúbia e a Mãe Mundinha
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Desde o suicídio de Mondrongo há cerca de seis meses, Rúbia encontrava-se em um estado de depressão muito forte, atormentada por um sentimento de culpa e um remorso terrível. Vivia chorando e não se alimentava direito. Mas nem de longe pensava em procurar ajuda médica, psiquiátrica ou psicológica, pois não suportava psicólogos e afins.

Rafaelle, a filha médica, não falava com a mãe desde o ocorrido. Culpava a mesma argumentando que ela nunca soubera compreender seu pai. Era a mais apegada a Mondrongo. Quase entrou em choque com a mãe no dia do enterro.
Danielle, a empresária casada com italiano, não tomou posição nenhuma. Já há muito tempo não tinha contato nem com o pai nem com a mãe por morar na Itália. Não sabia o que sentir diante do pai morto. Estava bem-sucedida e isso era importante para ela.
Emanuelle procurava evitar falar com a mãe, pois se sentia mais culpada que a própria. Achava que seu pai havia se matado pelo desgosto de a filha ter se tornado uma atriz pornô. Andava muito triste.
Michaelle, que ainda mora com a mãe, era a única que a apoiava incondicionalmente. Ama demais sua mãe e achava que o pai era um pouco sem-vergonha. Não que ela achasse certo ou bom o que ocorreu, mas era a favor da vida e não suportava ver a mãe naquele estado.
Chandelle, que também mora com a mãe, não havia entendido ainda o que aconteceu. Sua cabeça estava confusa demais. Não conseguia acreditar. A coisa que mais achava linda nesse mundo era ver seus pais juntos, mas agora...

Então, certo dia, conversando com Dominique, Rúbia foi aconselhada a procurar uma ajuda espiritual. Lembrou-se de uma médium e clarividente de quem havia ouvido falar certa vez. Ela chamava-se Mãe Mundinha. Resolveu procurá-la e encarar a situação. Ficou sabendo que a Mãe atendia em sua própria casa que ficava na Zona Leste da cidade de São Paulo. Telefonou para marcar horário e falou com uma secretária ou coisa assim. A sessão ficou agendada para dois dias após a ligação.
Chegado o dia, Rúbia arrumou-se e colocou uma maquiagem para disfarçar suas olheiras e sua aparência de quem vinha chorando seis meses seguidos, pois queria passar a imagem de uma mulher forte. Encontrou um pouco de dificuldade para localizar o local, mas não perdeu o horário. Ao tocar a campainha, foi recebida por uma garotinha moreninha, muito simpatiquinha, de cabelinhos crespinhos, mas bem cuidadinhos que pediu para que aguardasse em uma salinha simplesinha. Lembrou-se de sua infância ao ver a menininha correndo e gritando pela avó:
- Ô vóóó! A Rúbia chegou!
Achou uma gracinha o fato de a menina saber seu nome. Não demorou a que uma senhora negra de estatura mediana surgisse na sala onde Rúbia aguardava. A senhora usava um enorme vestido branco, um turbante na cabeça, várias pulseiras que quase cobriam seu antebraço esquerdo e uma infinidade de guias e colares no pescoço. Pensou que deveria haver mais colorido em suas guias do que em um computador de 64 bits e pensou também que aquela senhora parecia uma vendedora de acarajés da Bahia ou uma passista da ala das baianas de alguma escola de samba da Zona Leste. Lembrou da Whoopi Goldberg no filme Ghost e quis dar risada, mas se conteve.
- Bom dia, minha fia! Eu sô a Mãe Mundinha! Suncê parece triste pur dimais. Inté parece qui vem chorâno faiz seis mêis. Coitadinha, vâmu cunversá, qui suncê deve di tá cuma série di pobrema. – disse com uma mistura de sotaque nordestino com caipira e uma voz grave.
O cumprimento foi algo muito estranho aos olhos de Rúbia. Ao invés de beijos no rosto como Rúbia está acostumada, a Mãe Mundinha a segurou pelos ombros e a puxou duas vezes, batendo-a forte contra seu corpo. O ombro esquerdo de Rúbia em seu ombro direito e depois o seu ombro esquerdo no direito de Rúbia. E, a cada vez, soltava um gemido mais ou menos assim: “un-hum, un-hum”.
Acompanhou a Mãe até sua salinha de atendimento. Viu uma decoração assustadora e olhava para todos os cantos. Havia uma mesinha no centro, uma luz fraca e nas paredes havia de tudo, desconfiou que se procurasse bem poderia até achar uma foto sua. Havia santos, pais-de-santo, quadros e imagens religiosas de vários tipos, mais guias, crucifixo, plantas, flores, lanças, muitas velas, retalhos e uma série de outras coisas que não conseguiu definir com uma rápida passada de olhar. A Mãe pediu para que sentasse em uma cadeira à sua frente, de costas para a porta, e perguntou:
- E intaum! U qui vai sê? Búzios, tarô, leitura de mãos, astrologia, bola de cristal, runas, cristais, hipnose, numerologia, leitura da mente, borra do café, cabala?
- Nooossa! A senhora faz de tudo mesmo, hein!? – espanta-se Rúbia.
- É a crise minha fia! – responde a Mãe.
E Rúbia diz:
- Olha, na verdade, eu queria uma forma de poder pedir perdão para o meu marido que se suicidou há seis meses. Eu tenho me sentido muito culpada por isso.
- Ah! Intaum é isso o motivo di sua tristeza? Intaum precisâmu fazê cum qui suncê peça perdão a ele pessoalmente. – disse ela no momento em que levantava uma faca enorme.

***


Rúbia espantou-se e quase saiu correndo, pensando que aquela mulher iria fazê-la se encontrar com Mondrongo em outro plano astral. Mas, antes que Rúbia pudesse se mexer, a Mãe apareceu com uma galinha nas mãos não se sabe tirada de onde e, com a faca, fez um corte no pescoço da mesma e começou a espalhar o sangue que escorria por toda a mesa. Rúbia quase vomitou e quase saiu correndo novamente.
A Mãe pediu para que ela se levantasse, pois precisava de um descarrego. A Mãe Mundinha começou a esfregar com força suas mãos nos braços de Rúbia, dos ombros até suas mãos, sempre de cima para baixo e, vez por outra, estalava os dedos à sua frente algumas vezes. E dizia:
- Un-hum! Mizifia tá carregada! Un-hum! Vâmu discarregá! Vâmu discarregá!
Após isso, Rúbia sentiu-se aliviada e muito mais leve. Sentou-se novamente. Mãe Mundinha acendeu duas velas gordas e as colocou sobre a mesa, uma de cada lado. Pediu para segurar as mãos de Rúbia e perguntou qual o nome do marido e ela respondeu:
- Bruno Mondrongo!
Então a Mãe pediu para que Rúbia se concentrasse e fechou os olhos. De repente, ela começou a soltar um barulho pelo nariz como alguém meditando e começou a fazer movimentos circulares com a cabeça sobre os ombros. Rúbia podia ver, pois não conseguia ficar com os olhos totalmente fechados. Olhava com um dos olhos semi-aberto. Agora, podia ver os olhos da Mãe revirados apresentando somente suas escleróticas brancas e começou a ficar assustada.
Após um curto tempo, mas que para Rúbia pareceu uma eternidade, aquilo se acalmou. Seus olhos voltaram ao normal, ou quase, não pareciam ser os dela, mas olhavam fixamente dentro dos de Rúbia. Então a Mãe disse:
- Oi, Rúbia!
Rúbia assustou-se, largou as mãos da Mãe, engoliu seco e seu coração parecia uma rajada de metralhadora. Seus olhos se arregalaram e sua boca pendia semi-aberta. Era a voz de Mondrongo!
- Oi, amor! Tudo be...
- AMOR!? – gritou ele – Como assim AMOR!?
- Não faz assim comigo, por favor! Eu vim aqui te pedir perdão. Eu te amo! Aquilo que você escreveu no banheiro...
- Ah! Esquece aquilo! Você não sabe o inferno que eu estou passando aqui por sua causa! – retrucou a voz – É muita dor, medo, frio!
Rúbia já chorando, disse:
- Querido! Deixa-me conversar com você. Eu não queria que chegasse a esse ponto, eu não queria que isso acontece...
- HÁ! HÁ! HÁ! – interrompeu com cara de deboche.
- Eu te amo! Por favor, me perdoa! Onde você está? Por que fez aquilo? A Rafaelle não fala mais comigo, a Chandelle está quase doente... – insistiu ela.
- HÁ! HÁ! HÁ! – respondeu com expressão de raiva– E eu com isso? Você está viva. Cuida delas. HÁ! HÁ! HÁ!
E, nesse momento, a Mãe Mundinha começa a tremer, seus olhos se reviram de novo, sua cabeça se inclina para trás e de sua boca aberta começa a sair uma fumaça que vai crescendo até o teto da salinha e começa a tomar forma de algo que parece humano. O corpo da Mãe Mundinha cai inconsciente para frente e seu rosto se lambuza com o sangue da galinha.
A fumaça vai ganhando outra consistência. A sala começa a ficar gelada. A fumaça se torna uma criatura de fogo, mas é um fogo gelado, meio branco, meio vermelho. Rúbia não consegue distinguir. É difícil explicar. Consegue visualizar um par de chifres no alto. Ela está muito assustada. Sacudia a Mãe Mundinha para que a mesma acordasse, mas não teve êxito. E a criatura se dirigiu a Rúbia e falou com voz dupla:
- Não adianta criança! HÁ! HÁ! HÁ! Ela não vai acordar! Eu vou te levar comigo! Seu marido não te perdoa! Ele precisa de você ao lado dele! HÁ! HÁ! HÁ!
- NÃO! Saia daqui! Eu não vou com você nem morta! É... quer dizer... anh!... só se for por cima do meu cadáver... é... não, melhor não. É... fique longe de mim! E do meu marido também! Seu monstro! O que é você?
- Eu sou aquele que cuida do seu marido agora! – respondeu em voz dupla, a criatura – Você não vivia mandando ele ir para o inferno? É lá que ele está agora e você vai comigo também, criança!
Nesse momento, o demônio atira uma bola de fogo gelado em direção a Rúbia. A mesma salta da cadeira para o lado direito e consegue escapar. O fogo é branco e começa a queimar as paredes da salinha da Mãe Mundinha. Algumas outras bolas de fogo são atiradas e começam a viajar pela salinha ao encontro de Rúbia que corre pela pequena sala, atira alguns santos na criatura, mas essas passam direto por seu corpo de chamas. Rúbia pula tentando desviar das rajadas, até que uma passa de raspão em sua perna. A dor é fortíssima e faz com que Rúbia caia no chão e coloque as mãos na perna. Sente como se tivesse descido em um escorregador seco, sem roupas, mas é frio.
A salinha está quase toda em chamas. A criatura flutua e do alto ataca Rúbia e ri, se divertindo muito, parece estar em um jogo de videogame. Ao ver Rúbia caída, lança mais uma bola de fogo que acredita ser a derradeira, mas Rúbia desvia o corpo para a esquerda e se dirige à porta. Antes mesmo de ela chegar até a porta, a mesma se transforma em uma cortina de fogo, não permitindo que Rúbia fuja. Então, ela vira-se novamente para a criatura, olha bem em seus olhos e pensa em Mondrongo com todo o amor que sente por ele. O demônio a observa sem entender.

***


As duas velas que estão na mesa ainda se encontram acesas. Parecem ser o único fogo quente do local. Rúbia continua pensando em Mondrongo. O demônio continua olhando para Rúbia. As chamas das velas começam a se esticar e a se atrair uma para a outra. Ao se encontrarem, brilham forte e começam a se entrelaçarem em uma espiral que vai subindo e subindo até o teto, começam a engrossar e a tomar forma humana. A temperatura do local começa a esquentar.
Rúbia vê medo nos olhos do demônio. Ela também sente e não consegue disfarçar, pois também não sabe o que está acontecendo. A nova criatura que se formou se põe em posição de ataque contra o demônio e libera uma forte rajada de luz de suas mãos, o que faz com que o demônio voe para trás e bata na parede.
Não se dando por vencido, o demônio ainda ataca o outro espírito com suas bolas de fogo, fazendo-o cair para trás também. Começa, então, um festival de fogo e luz, de calor e frio, de brilhos e explosões pela sala. Rúbia pode perceber, em um momento, que as duas criaturas começaram a duelar com uma rajada constante, cada um de um lado. Como aquelas cenas que se vêem em desenhos animados. O demônio atacando com uma rajada constante de fogo contra o outro espírito com uma rajada constante de luz. O ponto em que as duas rajadas se encontravam brilhava demais, quase deixando Rúbia cega. Oscilava de um lado para o outro como em uma disputa de cabo de guerra. Quando viu o lado de luz aumentar, começou a torcer pelo espírito que parecia ter chegado para lhe salvar.
Quando a luz alcançou o demônio, houve uma explosão que o jogou para trás. O demônio se levantou enfurecido e quando pareceu que iria atacar com toda a fúria que ainda lhe restava, se transformou em uma chama voadora que deu algumas voltas pela salinha e, gritando, entrou pelo pescoço cortado da galinha e desapareceu. Junto com ele todo o fogo se apagou, menos os das velas. Começou a ventar pela sala toda e tudo foi se ajeitando no lugar anterior, peças quebradas se consertaram sozinhas e voltaram ao lugar de origem.
Ao se recompor, Rúbia olhou em volta e viu o espírito olhando-a serenamente e percebeu que conhecia aquele olhar. Então disse, emocionada:
- Mondrongo?
- Oi, Rúbia! – disse com a voz que por anos andou ao lado de Rúbia.
- Amor, eu vim te pedir perdão pelo que eu te fiz. Eu te amo! Você me salvou. Como você está?
- Eu estou mal! Suicidar-se não é nada agradável. O que te espera do outro lado não é gratificante quando se nega o maior presente que se ganha de Deus. A vida! Eu vim para o vale dos suicidas. É um lugar horrível!
- E... quem era esse que estava querendo me levar com ele? Era o diabo? – questionou Rúbia.
- Não, não! Ele não se dá a essas promiscuidades. Era apenas um de seus súditos. – esclareceu o espírito de Mondrongo.
- E... e... você está com ódio de mim mesmo? É verdade o que o demônio disse?
- Foi verdade! Quando cheguei onde estou senti muito ódio, mas já aprendi que este sentimento não me levará a lugar algum, quer dizer, me leva para lugares cada vez piores. Estou num lugar horrível, pois tirei minha vida, mas já tenho compreensão suficiente para aceitar minha punição.
- Você pode sair quando quiser? Aparecer assim? – empolgou-se Rúbia.
- Não! Eu não posso sair nunca enquanto estiver aqui. O que me trouxe de volta por esse instante foi o seu amor.
- Me perdoa, amor! Eu não fui compreensiva, fui precipitada. Que horror! – diz Rúbia inconformada.
- Eu é que devo te pedir perdão por ter sido fraco, por não ter pensado em você nem nas meninas. Eu te perdôo, mas não pode ser um trabalho só meu.
- O que eu posso fazer para amenizar minha culpa, para merecer seu perdão definitivo, para melhorar sua condição?
- Preciso que você cuide bem de nossas filhas, gaste seu dinheiro em boas causas e procure uma religião espiritualista que dê valor aos antepassados e ore muito por mim. Assim, as coisas irão se ajeitando gradual e naturalmente. Agora preciso ir! – disse Mondrongo, ainda em tom sereno.
- Claro! Adeus! – despede-se Rúbia.
- Adeus! Eu sempre vou te amar!
E, nesse momento, a figura que era a visualização de Mondrongo foi se tornando, novamente, uma espiral de luz e voltando para as velas, se desenrolando até sumir. Com as chamas das velas normalizadas, Rúbia leva outro susto quando a Mãe Mundinha levanta sua cabeça da mesa, de repente.
Ela está com os olhos arregalados, o rosto sujo de sangue de galinha e puxa o fôlego muito forte até encher por completo seus pulmões, quase acabando com o ar da salinha, como se tivesse ficado durante uma semana sem respirar debaixo d’água, e falou:
- E intaum, mizifia, cunversô co seu marido?
- Conversei, Mãe, conversei,. Muito obrigado! – respondeu, aliviada.
- Qui bão! Já tá inté cas aparência mio, né fia? – confortou-a Mãe Mundinha – Acho qui ocê pricisa acertá a sessão.
- Ah! Claro! Está aqui! – falou Rúbia colocando dinheiro nas mãos da Mãe e completou – É..., Mãe! Posso levar as velas?
- Craro, fia, pode levá, pode levá!
Assim ela foi embora para casa descansar um pouco para no outro dia, muito mais alegre, começar a procurar o que foi orientado por Mondrongo, para que as coisas começassem a entrar nos eixos em sua vida.

IV - Uma quermesse...


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Rúbia na Festa Junina
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Era uma noite agradável de junho. Um sábado. Então Rúbia e seu namorado Mondrongo resolveram ir até à quermesse de São João que estava sendo realizada em um parque do bairro. Havia várias barracas de comidas típicas e de jogos, além de brinquedos de diversão, como roda-gigante e carrossel.
Rúbia trajava um vestidinho estampado de flores com babados de renda e manguinhas bufantes, chapéu de palha (não havia necessidade de tranças no mesmo, pois seus longos cabelos ruivos deram conta do recado), sapatinhos pretos e meias brancas até os joelhos. Mondrongo vestia calças jeans com barras dobradas e vários remendos vermelhos, sapatos pretos, chapéu de palha (sem trancinhas), camisa xadrez flanelada e um lenço vermelho amarrado no pescoço.
Os dois passeavam alegremente pelo local – ele tomando quentão e ela, um vinho quente – quando avistaram um grupo de palhaços entretendo algumas pessoas na festa. Mondrongo, então, perguntou:
- Você gosta de palhaçada? (...)


Atenção!
Peço a todas as pessoas cardíacas, gestantes, asmáticas, estressadas, sem senso de humor, portadoras de crianças de colo, portadoras de deficiências físicas ou psicológicas, menores de 18 ou maiores de 65 anos, que parem de ler a história nesta parte!
Se preferirem continuar lendo, peço para que se sentem e estejam cientes de que não posso me responsabilizar por qualquer mal-estar que a próxima, e talvez, mais engraçada piada da historinha possa causar a você!


(...) Mondrongo, então, perguntou:
- Você gosta de palhaçada?
E Rúbia, espirituosamente, respondeu:
- Palha assada? Não! Prefiro milho cozido!
E os dois caíram na gargalhada!!! Abraçaram-se e se beijaram!
Resolveram, então comer alguma coisa. Foram, claro, até a barraca do milho. Rúbia quis seu milho cozido e Mondrongo pediu uma pamonha doce.
Continuaram passeando, conversando e admirando toda aquela regionalidade e tipicidade das pessoas na quermesse. Andaram de roda-gigante. Mondrongo ganhou um tigre branco enorme em forma de urso de pelúcia, derrubando o número 27 na barraca de tiros e presenteou Rúbia com o mesmo. Ela ficou muito contente e o beijou bastante. Sentiu um volume crescendo nas calças jeans de Mondrongo e, coincidentemente, avistou algumas pessoas tentando escalar o pau-de-sebo, onde se encontrava o prêmio máximo da festa e seria garantido a quem o escalasse até o fim.
Rúbia ficou maluca pelo pau-de-sebo e quis de qualquer forma escalá-lo. Mondrongo disse que era melhor não tentar. Mas Rúbia insistiu tanto, esperneando e pulando com os braços entrelaçados na nuca dele que o mesmo acabou comprando um tíquete para que ela pudesse subir.
Quando chegou sua vez, estava eufórica. Começou a subir e parecia que ia conseguir mesmo. Estava determinada. Os homens embaixo estavam todos adorando, pois podiam ver sua calcinha que já não se escondia mais devido à altura em que Rúbia se encontrava. Quando chegou ao topo, descobriu uma chave e a pegou. Começou a descer e foi muito aplaudida, principalmente pelos homens. Ao descer, pulou de alegria no pescoço de Mondrongo.
Foram até a barraca da organização para saberem o que Rúbia tinha ganhado. Qual era seu prêmio.

***


Tamanha a surpresa quando descobriram que se tratava da chave de uma moto Honda de 250 cilindradas. A sorte estava do lado deles mesmo.
Resolveram ir para casa, mas antes Rúbia sentiu vontade de comer uma maçã-do-amor e Mondrongo quis comer uma batata-doce; então Rúbia quis voltar à barraca de doces e comprou duas paçocas-de-rolha. Mondrongo, intrigado, perguntou porque quisera tais paçocas. E Rúbia, gargalhando, respondeu:
- Porque com essa batata-doce que você está comendo, vai precisar das paçocas para não me assustar com rojões e fogos de artifício! Hahaha!!!
Mondrongo fez uma cara feia, mas entendeu a piada e, com as gargalhadas gostosas de Rúbia, começou a rir também.
Mondrongo empurrava a moto, calmamente e Rúbia trazia o tigre no colo. Estavam já saindo do local da quermesse quando foram surpreendidos por um sujeito mal-encarado vestindo uma roupa de couro, coturnos e uma bandana amarrada à cabeça, que os perguntou as horas. Mondrongo já estava puxando o punho de sua camisa para visualizar o relógio; mas, antes que o mesmo pudesse ver as horas, o sujeito já havia sacado uma arma e, apontando para a testa de Mondrongo, disse:
- É hora de passar a moto!
Rúbia soltou um leve grito e o agora assaltante sugeriu que calasse a boca e apontou o revólver em sua direção.
Mondrongo tentou conversar, pedindo calma ao ladrão e o mesmo, voltando a apontar a arma na direção de sua testa, disse, em tom mais ameaçador:
- Passa a moto!!! – e prosseguiu – A garota vem junto!!!
Mondrongo tentou negociar:
- Por favor, leve a moto, dinheiro, celulares, mas deixe a garota!!!
Rúbia chorava!
- A única coisa que eu vou deixar, é você vivo, ainda assim, se cooperar!!! – ameaçou o bandido.
Mondrongo não viu escolha e largou a moto. Tentou puxar Rúbia e correr, mas pôde observar a arma ser apontada para Rúbia e ouviu o assaltante dizer:
- Se tentar levá-la, eu atiro é nela, certo mano?!!!
Mondrongo se viu sem alternativas e congelou.
- Sobe na moto, gatinha! – ordenou o ladrão.
- M-mas... eu-eu n-não sei andar de-de m-m-moto! – soluçou Rúbia.
- Eu te ensino, gracinha! Anda logo!
Rúbia subiu na moto e o meliante sentou-se atrás dela, na garupa, apontando a arma para sua cabeça. Explicou como ligar e como começar a andar.
Partiram!

***


Mondrongo, desesperado, correu para encontrar ajuda policial.
Os dois na moto seguiram para uma estrada muito escura e deserta cercada nos dois lados por enormes matagais. Só lhes era possível enxergar o que o farol da moto iluminava e o vento que soprava nos dois era congelante. Ele a ensinava como trocar de marchas, tomando o devido cuidado para manter o equilíbrio. Solicitou que entrasse em uma clareira à esquerda e que continuasse. Rúbia pensava em como já estavam longe da cidade, pensava naquela arma apontada em sua têmpora e ficava cada vez mais assustada.
O sujeito pediu que parasse a moto. Tirou Rúbia de cima da mesma e a atirou no chão. Rúbia caiu sobre seu braço e sentiu um estalo dolorido. O bandido deitou a moto e partiu para cima de Rúbia deitada no chão. Ela começou a gritar e levou um tapa no lado esquerdo do rosto. O assaltante amarrou suas mãos para trás e a deitou novamente. Rúbia ficou praticamente indefesa. Então ele sacou uma faca de sua bota e, de joelhos, inclinou-se em direção ao corpo de Rúbia; rasgou um pouco de seu vestido acima dos seios e rasgou, também, a frente de seu sutiã, deixando seus seios à mostra. Neste momento, Rúbia cuspiu no rosto do marginal e levou outro tapa, desta vez com a mão esquerda dele acertando sua face direita. O ladrão lambeu, nojentamente, sua orelha direita e disse, pausadamente:
- Cala a boca e fica quieta, sua vagabunda!
Foi descendo a faca, deslizando-a por sobre o vestido florido, dos seios até a barra rendada. Espetou a faca, ameaçadoramente, na terra e foi direto com as mãos na calcinha (que quase todos os homens presentes na quermesse já haviam visto), começou a puxá-la para baixo e disse:
- Levanta essa perninha, boneca!
E Rúbia, quase que por instinto, sem pensar muito, levantou a perna com enorme força e coragem, acertando-lhe o saco. Os olhos do homem estalaram ante a dor, foi tomado de uma dor incontrolável que começou a subir de sua região pélvica, passando por seu abdômen e tórax, até chegar à sua garganta. Não sabia se colocava suas mãos no saco ou na garganta, mas sentiu que se não cuspisse iria sufocar. Quando cuspiu, viu duas bolas meio avermelhadas saltarem de sua boca. Rúbia e o homem tinham certeza de que aquelas bolas eram seus testículos.
O ladrão gritava de dor e xingava, mas não conseguia se levantar. Rúbia se encolheu e conseguiu passar suas mãos amarradas por baixo das pernas até que ficassem à frente de seu corpo. Levantou-se, conseguiu libertar as mãos e ergueu sua calcinha. O bandido se contorcia. Rúbia foi em direção à moto para levantá-la; sentiu um pouco de dificuldade, mas levantou-a. percebeu que o homem começava a se levantar para pegá-la. Então, sem largar a moto, Rúbia deu-lhe um forte chute na boca; isso fez com que seu pé começasse a doer muito ao chocar seus dedinhos contra aqueles dentes duros, mas viu sangue escorrer e o homem cair novamente.
Montou na moto e tentou dar a partida. Sem sucesso. Tentou novamente e nada. Achou que não ia conseguir. Olhou para trás e viu o bandido começando a levantar-se e cambalear em sua direção. Desesperada, tentou mais uma vez e ouviu o ronco da moto que, agora, parecia uma suave orquestra sinfônica tocando “As Quatro Estações” de Antonio Vivaldi e, aliviada, partiu de volta à estrada.
Sentiu alívio ao se ver livre de um estuprador em potencial que acabara de perder seus testículos e pavor ao imaginar não conseguir achar o caminho de volta para casa. De repente, em sua cabeça, começa a escutar “Born To Be Wild” do Steppenwolf, mas não consegue entender o porquê. Sente vontade de cantar, mas ao mesmo tempo não se sente alegre o bastante para tal. O medo é maior. ‘Quem canta seus males espanta’, ela pensa, mas não é suficiente.
Vai aprendendo a andar de moto, lembrando-se do que o assaltante havia ensinado. Em certo ponto da estrada, vê uma viatura da polícia se aproximando, com faróis altos, sirenes e luzes piscantes ligadas. Prefere não parar para pedir ajuda, nem para avisar de onde se encontra o ladrão-estuprador-filho-da-puta. Afinal, ele já perdeu as bolas! Talvez a polícia tenha sido acionada por Mondrongo. Mais para frente tem a impressão de ter visto o Batman também, em cima de uma árvore, mas acredita ter sido fruto de sua imaginação perturbada. Só pensa em ir para casa e descansar.

***


Percebe que está próxima de casa ao avistar as luzes da quermesse ainda acesas, mas passa longe. Lembra-se de Mondrongo, mas prefere ir para um lugar seguro, sua casa, seu quarto, sua cama, seus sonhos. É mais seguro!
Sua casa tinha garagem, mas não tinha carro. Guardou a moto. Ao entrar em casa, ouviu um barulho. Ficou assustada! Pensou se talvez tivesse deixado a televisão ligada. Não consegue se lembrar. Caminha do cômodo de entrada para a sala. Tudo está escuro, mas há uma claridade oscilante vinda de lá. Ao chegar à sala, percebe que a televisão estava realmente ligada transmitindo um filme qualquer com o Charles Bronson ou o Chuck Norris, não sabe ao certo. De onde está pode ver a televisão de frente e o sofá de costas para ela. Ao reparar bem, enxerga algo como uma cabeça salientando-se acima do encosto do sofá e congela de medo.
Larga as chaves no carpete, que não fazem barulho. Sua garganta se fecha e nenhum som consegue se pronunciar, apesar da boca aberta. Sem desviar os olhos, que já lacrimejam, começa a tatear na parede atrás de si para encontrar o interruptor. Ao encontrá-lo, acende a luz e percebe que se trata da cabeça de alguém sentado assistindo à televisão e solta um estridente e alto grito que faz com que aquele que estava sentado no sofá, pule quase dois metros de altura de susto.
Ao ver seu rosto, percebe se tratar de Mondrongo que estava cochilando em seu sofá, e então, ajoelha-se no chão chorando e soluçando desesperada com as mãos no rosto. Mondrongo pula por cima do sofá a seu encontro e a abraça forte perguntando se estava bem. Ela diz:
- Cadê o meu tigre?
- Me diga como está, Rubiazinha! – ele insiste.
- Onde está meu tigre? – ela choraminga.
- Me diga o que te aconteceu! – ele insiste mais, segurando seu rosto – A polícia a encontrou? Aquele bandido te fez alguma coisa, querida? Me responda, por favor!!!
- E-estou bem! Você perdeu meu tigre, né? Seu desnaturado! – ela grita!
- Não, Rúbia! Eu não perdi. Ele está aqui! Mas você precisa se acalmar!
Então ele a levanta e a leva ao banheiro para dar-lhe um banho. Após o banho ele a enxuga e a leva para o quarto dela, onde Rúbia vê seu tigre e corre para agarrá-lo. Ela se deita nua e abraçada ao tigre. Mondrongo pergunta se ela quer tomar um chá quente e ela, fungando, responde que não. Ele, então, começa a fazer cafuné a alisar seus cabelos com as mãos. Ela aceita seus carinhos e vai se aninhando cada vez mais próxima dele. Ela puxa sua mão, a beija e, dando um sorrisinho de carência, coloca-a em seu seio direito.
Mondrongo começa a beijá-la na boca, no pescoço, nas orelhas, nos seios. Rúbia retribui. Mondrongo tira sua roupa para ficar mais à vontade e encosta seu corpo no dela. As carícias ficam mais íntimas.
E, numa enorme explosão de desejo, fazem amor durante todo o resto da noite até de manhã. Rúbia não largou seu tigre nenhum segundo sequer. Dormiram até tarde no domingo!

III - A Gruta de Santelmo...


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Rúbia na Gruta de Santelmo
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Em algum verão passado, Rúbia e Mondrongo foram a uma excursão com a turma de faculdade de Mondrongo à Gruta de Santelmo (não posso precisar, mas essa gruta fica em alguma região da Mata Atlântica). Era janeiro, mês de férias, e a festa começou já dentro do ônibus. Alguns levaram batidas caseiras de amendoim, coco, ou espanhola. Houve guerra com as fronhas dos bancos do ônibus, xavecos e, quase o tempo todo, o pessoal cantava músicas da Legião Urbana, Capital Inicial, entre outras, mas elas nunca chegavam ao fim.
Chegaram ao local. Havia uma montanha que abrigava a tal gruta e uma trilha, cheia de mato por todos os lados, que levava até a entrada da gruta. Após o desembarque e aquela espreguiçada para que todos pudessem esticar seus corpos, respiraram, alguns peidaram, apanharam suas mochilas e começaram a caminhada até a entrada da gruta. Ao entrarem, a dispersão do grupo foi inevitável; uns querendo ver isso, outros se interessando por aquilo e por aí vai.
Rúbia e Mondrongo avistaram uma estreita entrada e ficaram curiosos para saberem onde aquilo poderia levá-los. Como a luz começava a rarear, tiveram que acender suas lanternas e foram caminhando por aquele corredor estreito, escuro e um pouco úmido que parecia não terminar em lugar algum. Até que chegaram em um lugar espaçoso, mas que nem suas lanternas conseguiam clarear. Apontaram suas lanternas para baixo para verem onde iriam pisar, mas logo perceberam que não poderiam sequer dar mais um passo. Havia um enorme buraco de uns vinte metros de diâmetro, lotado até a boca com enormes ovos, uns claros e outros escuros.
Sentiam um cheiro doce no local e, também, sentiram medo. Rúbia resolveu apanhar um daqueles ovos. Não era pesado e pareceu começar a derreter em seus dedos. Nesse momento, Mondrongo resolveu apontar sua lanterna para o outro lado do enorme ninho e ficou gelado, boquiaberto e sem fala, pois sua lanterna lhe mostrou, do outro lado, um animal enorme (devia ter uns trinta metros de altura) de olhos vermelhos, de pelo branquinho, dois enormes dentes sobrando de sua boca, duas orelhas que pareciam alcançar o teto daquele local e uma expressão de poucos amigos. Mondrongo, então, disse:
- Ru-Rúbia!
- Isso tá derretendo na minha mão. – disse ela.
- E-então la-larga aí e o-olha a-aquilo! – gaguejou assustado.
Rúbia olhou despreocupada, mas ao ver aquilo, deu um pequeno pulo, soltou um grito surdo, largou o ovo e, com os olhos arregalados, disse: (...)


Atenção!
A seqüência da história pode fazer com que muitas coisas, em que você acreditava quando criança, escoem pelo ralo. Se você é uma pessoa que acredita nos valores que absorveu quando criança e que as fantasias foram enormemente responsáveis por seu crescimento interno, sugiro que não prossiga. Se prosseguir, isento-me de quaisquer responsabilidades.


(...) Rúbia olhou despreocupada, mas ao ver aquilo, deu um pequeno pulo, soltou um grito surdo, largou o ovo e, com os olhos arregalados, disse:
- M-meu Deus! É o Coelhinho da Páscoa!
- Coelhinho!!! – espantou-se ele.
Neste momento, o coelho inclinou o corpo em direção aos dois e soltou um ameaçador e altíssimo rugido com bafo de chocolate.
- Aaaaahhh!!! – gritou Mondrongo.
- Aaaaaaaahhhhh!!!!! – respondeu Rúbia em um tom bem mais estridente.
Começaram a correr desesperadamente para fora daquele lugar e podiam ouvir e sentir aquele coelho gigantesco atrás deles. Rúbia ia à frente gritando e Mondrongo logo atrás pedindo para que ela corresse mais rápida. A cada pulo do Coelho, o chão tremia e quase desequilibrava os dois. Sentiam medo, mas ao mesmo tempo passava por suas cabeças um pensamento de que o Coelhinho da Páscoa não podia lhes fazer mal. Podia sim, pois já eram quase adultos. Várias músicas de Páscoa passaram por seus ouvidos até que avistaram a saída. Ao saírem, quase caindo, olharam para trás e não puderam acreditar no que estavam vendo. Um coelhinho de uns 40 centímetros de comprimento olhando para eles. Mondrongo pensou em avançar para cima dele, mas resolveu respeitar, afinal de contas nunca passou uma Páscoa sem ovo. Rúbia achou que aquele lugar talvez pudesse gerar algum tipo de ilusão, mas não quis entrar novamente para conferir. Resolveram conhecer o resto da gruta.

***


Pelo caminho que seguiram puderam ver uma série de lindas e enormes estalagmites e estalactites, embora nenhum dos dois soubesse dizer qual era qual. Se as estalactites se formavam de baixo para cima e as estalagmites se formavam de cima para baixo, ou se as estalagmites se formavam de baixo para cima e as estalactites se formavam de cima para baixo, ou vice-versa, ou ao contrário, ou os dois, ou nenhum dos dois. Não sabiam e ficavam confusos ao tentar lembrar.
Vez ou outra, encontravam uns amigos de Mondrongo, mas resolveram não contar sobre o Coelhinho, por achar que poderiam ter tido uma ilusão, ou pela própria tiração de sarro que talvez sofreriam. Talvez alguém dissesse ter encontrado o Papai Noel e isso seria um insulto, pois todos sabemos que o mesmo mora no Pólo Norte, certo? Só não sabíamos que o Coelhinho da Páscoa morava na Gruta de Santelmo, em plena Mata Atlântica, Brasil. Seria mais adequado morar na Ilha de Páscoa. Talvez a temperatura de lá não seja boa para chocar ovos de chocolate. Resolveram mudar de assunto e continuaram caminhando em busca de um lugar mais calmo.
De repente, encontraram um local de espaço enorme. Havia um pequeno lago de águas cristalinas no centro. Podiam ver, pois havia uma fresta no teto daquele local que permitia a entrada de sublimes raios do Sol. Era realmente lindo! Sentiram a temperatura da água e acharam propícia a um mergulho. Mondrongo ficou de bermuda e Rúbia colocou um biquíni vermelho que combinava com seus cabelos. “Como ela é gostosa!”, pensou Mondrongo. Mergulharam, nadaram e se divertiram até que resolveram se beijar. Seus beijos eram longos e gostosos, então Rúbia disse:
- Drôzinho, quer explorar minha gruta?
E ele respondeu:
- A lanterna já está pronta!
Saíram da água. Rúbia tirou seu biquíni, enquanto Mondrongo tirava sua bermuda e cueca. Ela deitou-se sobre uma pedra e repousou a cabeça sobre uma das mochilas. Ele abriu sua mochila para pegar seu estojo de primeiros socorros, onde guardava camisinhas. Pegou uma, abriu a embalagem e jogou-a (a embalagem) dentro de sua mochila para não jogar no chão e poder causar um dano ecológico, pois uma consciência que tinha era a de preservação ambiental.
Rúbia pediu para colocar a camisinha e a colocou em Mondrongo com a boca. O que o deixou maluco. Começou a beijá-la no pescoço, descendo para seus seios. Neste momento, começou a rir. Rúbia indignada, perguntou:
- O que foi? Do que está rindo?
- Nada! Nada! Eu lembrei de uma piada! – ele respondeu, já parando de rir.
- Então conta. – ela pediu.
- Outra hora eu conto, né Rúbia! – respondeu indignado.
- Ah, não! Conta agora! – implorou ela, já sentando para ouvir.
- Ai meu saco, viu! – resmungou.
- Ah! Não quer contar, não conta... – e já foi buscando suas roupas para se vestir.
- Não, não! Calma! Eu conto! – e continuou – Tinha um cara que estava em um ônibus e viu uma moça de seios lindos, sentada em um dos bancos. Não podia parar de olhar e, quando a moça fez sinal para descer e desceu, ele foi atrás. Já na rua, chamou-a e elogiou seus lindos seios. Perguntou se poderia dar uma mordida neles por R$ 100,00. Ela disse que ele estava maluco. Ele não se conteve e ofereceu R$ 500,00 pelas mordidas. Ela o recriminou e ameaçou chamar a polícia. Ele não podia perder a oportunidade e ofereceu R$ 1.000,00. Ela pensou um pouco e topou. Foram procurar um lugar escondido e, chegando a tal lugar, ela abriu a blusa. O homem pode ver aqueles lindos e enormes seios de fora e ficou louco. Começou a apalpá-los, acariciá-los, boliná-los, apertá-los. Então começou a beijá-los, demoradamente, e a esfregá-los no rosto. Então a mulher se encheu e perguntou se ele não iria morder nunca. E ele respondeu: “Ah, não! Para morder tá muito caro!”. É isso!
Rúbia caiu na gargalhada e falou que iria cobrar de Mondrongo também, mas ele teria de pagar. Mas como o fogo de Rúbia era ruim de apagar, ela pediu que ele continuasse. Ele voltou a beijar seus seios e, pela primeira vez, percebeu que Rúbia tinha um dos seios mais firme que o outro. Então perguntou qual era a razão.
- Outra hora eu te conto. – respondeu ela.
- Ah, não! Agora fiquei curioso. – replicou ele.
- Eu tinha tanta vergonha que você percebesse. Não quero contar.
- Mas por quê? Conta, vai! – insistiu.
- Tá bom! Tá bom! Há mais ou menos um ano atrás, eu precisei fazer uma mamografia. Eles utilizam um equipamento que pressiona o seio para ser fotografado por dentro. A máquina vai pressionando eletronicamente de cima para baixo. – Rúbia fazia gestos com as mãos na horizontal como se estivesse achatando algo – No momento de fazer a máquina parar de pressionar, a doutora apertou o botão para que a mesma parasse, mas tal botão não funcionou e, sem tempo de eu ter qualquer reação, a máquina esmagou meu seio esquerdo. Nooossa! Como aquilo doeu! Quase desmaiei! Fui levada às pressas para a cirurgia, gritando de dor. – Rúbia fazia várias expressões de agonia (e Mondrongo também) – O cirurgião fez uma reconstituição das glândulas mamárias e precisou implantar uma prótese de silicone para devolver o tamanho e, após isso, fez uma plástica para que não houvesse nenhuma diferença entre um seio e outro. Tudo por conta do hospital. Foi isso! – concluiu.
- Nossa! E você nem me contou disso! – chateou-se Mondrongo.
- Ai amor! Eu ainda não me acostumei com isso! Mas... você acha que dá para perceber? – Rúbia indagou acariciando seus seios e olhando-os.
- Claro que não! Seus seios são os mais lindos que já vi! – elogiou.
Rúbia deu um sorriso, mas logo sua expressão mudou e ela o questionou:
- E de quem mais você viu, hein? Seu sem-vergonha! Andou transando com mais alguém? Hein? Hein? Responde logo! Vamos! Como é? Responde! Anh? Anh?
- Calma, Ru! Eu não vi os seios de mais ninguém! É só uma força de expressão! A gente vê isso em revistas, na televisão, sei lá! – defendeu-se.
- Ai que conversa mole! Eu não acredito! – retrucou e continuou – Chega! Vamos sair daqui! Não quero mais saber de nada por hora! Perdi o pique!
Mondrongo sentiu a camisinha ficar grande e sobrando em volta de seu entusiasmo que foi diminuindo gradualmente. Ficou olhando atônito para Rúbia recolhendo suas roupas e se vestindo. Resolveu fazer o mesmo.
Quando Rúbia foi recolher a mochila sobre a qual havia repousado sua cabeça, percebeu não ser a sua e ficou sem fala olhando para a mesma. Mondrongo percebeu que ela estava parada e perguntou:
- Que foi? Está mais calma?

***


Rúbia não respondeu. Apenas apontou para a mochila que estava no chão. Sua outra mão cobria a boca. Mondrongo perguntou:
- O que foi?
- E-essa mochila... n-não é minha... eu-eu deitei minha cabeça nela, mas...
- Então de quem é? – perguntou inconformado.
- Sei lá! O que ela está fazendo aqui? – e, de repente, percorrendo os olhos pelo local – Ai meu Deus! Aaah! Meu Deus! O que é aquilo? Bruno! O que é aquilo?
Rúbia estava apontando dois corpos caídos próximo dali. Um estava sem um dos braços e sem uma das pernas, um olho pendendo de sua órbita pendurado em seu rosto. O outro estava partido ao meio na altura da cintura e com a mandíbula caída e sangrando. Mondrongo também viu e ficou sem fala. Quando conseguiu falar, disse:
- Pelas barbas de Santelmo! São o Cabelo e o Porpeta!
- Quem? Pelo amor de Deus? – questionou Rúbia.
- É... são da nossa turma! Meu Deus! É... o André e o Kléber!
- E agora? O que aconteceu a eles? – perguntou assustada sem querer saber a resposta.
- Vamos embora daqui logo, Rúbia! Pegue as coisas, rápido!
Colocaram suas mochilas nas costas e apanharam as mochilas dos dois rapazes mortos também. Olhando à volta mais um pouco puderam perceber o quanto horrível era aquele lugar que antes parecia paradisíaco. Viram enormes teias de aranhas e, reparando melhor, conseguiram avistar algumas outras pilhas de ossos.
Começaram a correr em busca da saída. Enquanto corriam, podiam sentir que algo tentava os empurrar de volta para trás. Vez ou outra sentiam enormes calafrios e sentiam, também, que algo invisível atravessava seus corpos no sentido contrário. O que quase fez Rúbia parar de correr de desespero. Sentiram-se aliviados quando puderam avistar luz e pararem de sentir aquelas coisas invisíveis. Ao saírem, todos já estavam lá fora sentados, rindo, bebendo, conversando. Mondrongo disse:
- Galera! Vamos embora!
Então o responsável pela caravana disse:
- Vamos! Claro! Assim que aqueles dois idiotas do Porpeta e do Cabelo chegarem!
Ouviram-se, ainda, outros comentários como: “Aqueles dois sempre atrasando!”, “Tinha que ser eles!”, “Devem estar zoando!”, “Devem estar aprontando alguma!”, entre outros.
Eis que Rúbia, furiosa, interrompe com um grito:
- Vamos todos calar a boca!? Eu creio que eles não voltam mais! Nunca mais!
- Peraí! Calma! O que você quer dizer com isso? – perguntou Cláudio, o monitor da caravana.
Ela jogou a mochila que carregava nas mãos no chão, na frente de todos, e Mondrongo fez o mesmo com a sua. Então Rúbia disse:
- Eles foram mutilados lá dentro!
E Cláudio perguntou:
- Co-como assim? Isso é algum tipo de brincadeira? Temos que ir buscá-los!
E, já fazendo movimento para entrar novamente na gruta, foi interrompido por Mondrongo que o segurou pelo braço e disse:
- Eu acho melhor não! Ela está dizendo a verdade! Foi horrível! Não sabemos dizer o que foi que fez aquilo, mas não é seguro! Tinha outros corpos lá, somente esqueletos! É melhor irmos embora! E foi o que fizeram. Alguns choravam, outros bebiam os restos de batidas, alguns encontravam clima para se beijarem. Mas ninguém mais fazia guerra de fronhas ou cantava músicas da Legião ou do Capital, mesmo porque ninguém sabia cantá-las até o final. Só queriam que aquele dia acabasse logo.